- Segundo Erich Decat, analista de risco político, o mercado segue esperançoso com uma possível terceira via representada por Eduardo Leite (PSDB)
- Ainda assim, o cenário mais provável é de uma grande polarização entre Lula e Bolsonaro
- “Nós nunca podemos subestimar o Lula porque, mesmo com ele preso em 2018, com todo movimento do judiciário, ele colocou o Fernando Haddad no segundo turno”, afirma Decat
(Jenne Andrade e Valéria Bretas) – O temido e volátil ano eleitoral brasileiro começou de forma diferente em 2022. Somente no primeiro trimestre, o Ibovespa registra alta acumulada de 14,5% – uma decolagem que pareceu não ser abalada pelos resultados de pesquisas de intenção de voto ou ‘ruídos’ mais estridentes de Brasília.
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Erich Decat, analista de risco político da DKPG e ex-jornalista, avalia que as eleições só devem realmente causar efeitos em meados de junho. “Até lá, o Congresso estará com a sua agenda e o mercado financeiro olhando para vários projetos que podem ter impacto fiscal”, afirma o especialista.
Apesar da distância da corrida eleitoral, alguns cenários já são claros. Segundo Decat, o mercado deve acolher na eleição presidencial o nome que representar a terceira via. Para o especialista, a figura que tem o maior apreço entre os investidores é o ex-governador do Rio Grande Do Sul Eduardo Leite (PSDB).
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“Vencendo o Doria nas convenções (do PSDB, prevista para julho), a minha visão é que o mercado irá abraçá-lo em um primeiro momento. Só que o investidor também vai ter em mãos as pesquisas. Se o Eduardo Leite não romper o teto de 12% a 15%, ele não vai para frente”, diz Decat.
Para o analista de risco político, não se deve descartar que uma terceira via ganhe tração entre o eleitorado, mas a conjuntura mais provável continua a de polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele diz que petista não ‘assustaria’ mais o mercado, mesmo com as propostas de acabar com o teto de gastos, uma âncora fiscal para os investidores.
“Nunca podemos subestimar Lula. Mesmo com ele preso em 2018, e todo o movimento do judiciário, ele colocou o Fernando Haddad no segundo turno”, diz Decat. “No mundo político, a ‘cabeça’ é o seguinte: é o Lula e mais um.”
Já quando o assunto é um possível segundo mandato de Bolsonaro, ainda pairam muitas dúvidas. Com o ministro da economia Paulo Guedes enfraquecido no governo desde a PEC dos Precatórios, o mercado passa a questionar sobre qual será o encaminhamento da agenda econômica, caso haja mais quatro anos sob o comando do capitão da reserva.
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Ainda assim, os investidores sinalizam não ter soltado a ‘mão’ do atual presidente. “O Bolsonaro não deixou claro a agenda dele, mas ele ainda conversa muito com a manutenção do teto de gastos. Por mais que o teto tenha sido mudado, ele não fala que vai acabar com isso”, afirma.
Leia a entrevista completa, realizada durante o Gramado Summit, conferência de inovação, tecnologia e finanças:
E-Investidor – Quais são os cenários mais plausíveis para as eleições de 2022?
Erich Decat – Achamos que vai esquentar o cenário eleitoral a partir de junho ou julho. Até lá, o Congresso estará com a sua agenda e o mercado financeiro estará olhando para vários projetos que podem ter impacto fiscal, na esteira das questões que envolvem combustível e inflação.
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Virada essa página de junho e julho, teremos as convenções. E nessas convenções, teremos ‘definição’. Só ali vamos entender o que vem de terceira via, quem está com quem.
Hoje, o mercado financeiro tem uma certa expectativa com a terceira via, por mais que ela esteja truncada. Nós tivemos prova disso em novembro e dezembro, que por motivos bastante bestas, sem muito peso, o mercado reagiu.
O Sergio Moro dava declarações e o mercado subia. Ele aparecia crescendo nas pesquisas e o mercado subia. Isso foi em um momento em que pesquisa não captava muita coisa, em que o Moro não tinha muita coisa para dizer.
Então, nós já estávamos entendendo que ele tem esse sentimento dentro do mercado financeiro e em alguns setores do empresariado. Voltando para o calendário: teremos essas definições nas convenções do mês 6 e 7, e definindo quem será esse nome, o mercado vai abraçar essa terceira via. A grande questão que fica é como será o desenrolar disso, se essa pessoa da terceira via vai ter projeção.
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Quem tem mais apelo como uma opção de ‘terceira via’?
Decat – A expectativa do mercado é com o Eduardo Leite, não com o João Doria ou a Simone Tebet.
Vencendo o Doria nas convenções (do PSDB, prevista para julho), a minha visão é que o mercado irá abraçar o ex-governador em um primeiro momento. Só que o mercado também vai ter em mãos as pesquisas. Se o Eduardo Leite não romper o teto de 12% ou 15%, ele não vai para frente. E por que isso? Porque ele representa o centro, que detém 30% dos eleitores. Se ele não romper essa faixa, portanto, significa que os outros 15% foram para outro lado e isso significa que ele não irá avançar.
Dito isso, partimos para um segundo momento, que eu acredito que vai ser ali em setembro ou outubro, de definição sobre se estaremos com uma polarização definida ou com a possibilidade de uma terceira via crescer.
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Qual conjuntura é mais provável: o avanço de uma terceira via ou polarização?
Decat – Ainda acredito que a polarização é o que veremos no final. Por mais que não possamos descartar a terceira via e o voto do eleitor do centro seja pendular, o ex-presidente Lula tem um ponto de partida alto, de cerca de 20%. Ele já sai dos 20%, com histórico e inserção em vários setores. Isso é um capital muito grande.
Nós nunca podemos subestimar o Lula. Mesmo com ele preso em 2018, e todo movimento do judiciário, ele colocou o Fernando Haddad no segundo turno – um candidato sem projeção nacional, que tinha perdido as eleições para a prefeitura de São Paulo e sem carisma dentro do próprio PT. No mundo político, a ‘cabeça’ é o seguinte: é o Lula e mais um.
E quando falamos das perspectivas sobre o Bolsonaro?
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Decat – Bolsonaro ainda tem muito capital para crescer. As pesquisas de hoje não captaram esse eleitor de centro, porque esse eleitor é silencioso e só vai se posicionar na reta final, que começa a ser captada três semanas antes de votação.
Devemos ver um pêndulo e a tendência é que ele vá para o lado Bolsonaro. O patamar do atual presidente, portanto, deve subir. Ele ainda tem muitas ferramentas de orçamento, projetos sociais, benefícios que podem ser expandidos nesse semestre e ajudá-lo no segundo turno.
Resumidamente: não podemos descartar uma terceira via, mas temos que ver se essa terceira via vai conseguir estourar o teto (de 15%). Não conseguindo, no início de agosto já começamos a consolidar essa polarização e aí vamos para a reta final das eleições.
O Sr. afirmou em palestra no Gramado Summit que o ‘Lula não assusta mais o mercado’. O que isso quer dizer?
Decat – Atualmente, há casas de análise que já colocam o Lula como vencedor. Isso quer dizer que eles estão precificando a vitória do petista, se antecipando à possível vitória e ninguém vai tomar nenhum susto. Logo, o Lula não assusta, e, se Lula não assusta, já está entrando no preço.
Tem um ponto importante: não houve nenhuma ruptura de contrato durante a gestão do Lula. É isso que o investidor tanto local, quanto externo, tem acompanhado. Vamos ter mudanças em certos termos da agenda econômica, em algumas questões sociais, em algumas propostas e etc. Entretanto, não é nada que faça o investidor sair correndo do Brasil.
Mas uma reeleição do Bolsonaro assusta os investidores?
Decat – Há uma grande dúvida sobre o que seria um ‘Bolsonaro II’. Vamos olhar para o calendário novamente: em 2018, o Bolsonaro venceu com o Paulo Guedes debaixo do braço dele. Guedes tinha uma agenda e uma esteira de projetos, que começava com uma agenda liberal.
O ministro implementou muita coisa, como a maior reforma da previdência que já foi feita, assim como outras agendas microeconômicas, mas ele ‘ficou’ no meio do caminho. O ponto disruptivo em que Guedes perdeu mais força ocorreu em setembro do ano passado, quando veio a PEC dos Precatórios.
Nessa proposta, incluíram um rompimento do teto de gastos, a âncora da agenda de Guedes. A partir dali, o ministro da economia perdeu totalmente a força dentro do governo para dar opinião em qualquer tipo de agenda econômica.
Por isso, voltam as dúvidas: qual será a agenda econômica do Bolsonaro em um segundo mandato? O Paulo Guedes terá qual papel? O ministro da economia terá qual força dentro desse movimento? Isso não está claro e acredito que será construído dentro dos próximos meses. O Bolsonaro vai ser cobrado por vários players para sinalizar qual será essa agenda.
Em relação ao governo petista, há pistas ao mercado sobre qual será o time econômico?
Decat – Há dúvida sobre qual será o time econômico do Lula, por mais que ele não assuste. Hoje o mercado financeiro está de olho nessa composição, em quem serão os nomes. A partir desses nomes, serão traçados perfis. Isto é, quem é mais radical, menos radical, mais desenvolvimentista, e aí os cenários serão modelados.
Podemos esperar um pouco de tudo. O Lula tem mostrado que quer ir para o centro e fazer o mix dentro da agenda econômica. Vão ter algumas estruturas dentro dessa agenda, como o fim do teto, a não-privatização, mas vão ter outras pautas que talvez conversem com uma agenda mais flexível.
No ano passado, houve algum pânico no mercado em relação a boatos de uma possível saída de Paulo Guedes do governo. Em Brasília, a percepção é que o ministro deve seguir com Bolsonaro, mesmo que enfraquecido?
Decat – A permanência de Paulo Guedes também é uma incógnita, ninguém sabe se ele vai querer ficar em um futuro governo Bolsonaro II. Com relação a uma possível saída dele, hoje o mercado já não vê como o fim do mundo. Teremos ali um impacto no dia, que é do jogo, é normal, qualquer decisão que sai de Brasília impacta no dia a Bolsa, mas não será algo como a gente viu na PEC dos Precatórios.
Por conta da PEC dos Precatórios, a bolsa brasileira derreteu de setembro para dezembro, enquanto as bolsas do mundo estavam crescendo. Esse fator não vamos ver com a saída do Paulo Guedes. Poderá haver o choque de dois dias no máximo, mas não é nada que deixe o mercado desesperado.
O mercado não fica desesperado porque tem essa leitura de que o Paulo Guedes não tem mais tanta força. Então, se ele cair amanhã, não terá tanto peso como já teve no passado.
Sem Guedes, qual o apelo Bolsonaro poderia ter com o mercado financeiro?
Decat – Bolsonaro não deixou clara a agenda dele, mas ele ainda conversa muito com a manutenção do teto de gastos. Por mais que o teto de gastos tenha sido mudado, ele não fala que vai acabar com isso – como Lula acaba dizendo.
O teto de gastos é uma âncora para o mercado financeiro, é uma ferramenta que dá previsibilidade para o investidor. Com o teto, o investidor sabe quanto aquele país vai gastar em um ano. Sem isso, não tem previsibilidade, o que impacta vários fatores como PIB, inflação e etc.
Para o investidor é muito mais confortável saber quanto um governante vai gastar do que não saber. E por isso que o teto de gastos é esse balizador. Hoje, o mercado financeiro vê o Bolsonaro como positivo. Não o abraça, mas vê como positivo. Isso porque, de certa forma, ele ainda não disse que vai implodir toda a agenda do Paulo Guedes e migrar para o populismo.
Quando olhamos para outro lado, vemos movimentos de fim de privatização, de quebra de teto, revisão de reforma trabalhista e uma reforma tributária que vai pegar lucros e dividendos. Já Bolsonaro não foi por essa linha, por isso que o mercado ainda o vê como uma pessoa que representa o centro, centro-direita.
Então hoje Bolsonaro está melhor cotado pelo mercado em relação ao Lula?
Decat – A vitória do Lula não assusta, devemos ter um impacto no curto prazo e depois uma acomodação. Essa acomodação vai estar muito ligada aos nomes que o Lula for apresentar como ministros da Fazenda e Planejamento.
A vitória de Bolsonaro vai ser absorvida de uma forma positiva. Isso, claro, se ele não vir com propostas populistas, de revisitar a agenda de Paulo Guedes. Se ele manter o que tem hoje, no ‘day after’ a vitória dele será vista como positiva.
Vimos uma entrada forte de capital estrangeiro em 2022. Mais de R$ 60 bilhões entraram na B3 até a segunda semana de abril. Qual cenário (Lula, Bolsonaro ou terceira via) faz mais sentido para o investidor estrangeiro?
Decat – O motivo do fluxo que deu essa enxurrada na Bolsa nesse último mês foi a guerra. A Rússia deixou de ser um país considerado ‘ok’ para investir, então teve todo esse fluxo (vindo para o Brasil e mercados emergentes). Isso segurou o dólar, que segurou um pouco até mesmo o fator dos combustíveis.
A tendência na cabeça de algumas casas é que essa guerra permaneça, que esse fluxo permaneça e que de certa forma o dólar seja contido. Contudo, alguns gatilhos têm que ser observados. O fim da guerra é um, significa mudança no preço das commodities.
O fim da guerra, somado à possibilidade de aumento de juros nos Estados Unidos, também é um fator que pode fazer o investidor que está veio para o Brasil rever o ‘mapa’.
Até porque os EUA, que é o país mais seguro, vai estar pagando mais por um título dele. O investidor pensa ‘vou comprar onde tem mais segurança e onde paga mais’. O que atualmente atrai o investidor de fora, além dessa questão da Rússia, é a taxa Selic em dois dígitos (no Brasil). Entretanto, a dúvida é até quando isso será atraente quando colocamos duas peças nesse puzzle: guerra e aumento de juros do Fed (Federal Reserve).
Se a guerra acabar e os EUA continuarem aumentando juros, o Brasil continuará atraente? Há dúvida nisso. Não sabemos se esse fluxo vai continuar.
Há algumas casas que dizem que sim porque o Brasil continua barato, porque aqui tem muita gente posicionada em commodities, mas há casas que estão colocando esses fatores como questionáveis.
E-Investidor – Mas qual a visão que o investidor estrangeiro tem sob a ótica do governante?
Decat – Sob a ótica do governante é que não vai mudar, porque as estruturas estão ali. Vamos por cenários: o primeiro, em que a guerra acaba, diminui o fluxo de estrangeiro e o dólar sobe. Com a subida do dólar, a consequência é a inflação, que pega combustíveis e vários setores dolarizados.
Indo para a esfera política, é importante lembrar que inflação é o pânico de qualquer político em véspera de eleição. Na cabeça do político, é necessário fazer alguma mudança. Qual? Mexer no fiscal, e isso impacta o humor do gringo. O investidor estrangeiro começa a se questionar sobre qual tipo de mudança que o governo pode fazer, se é uma mudança permanente ou provisória.
Os fatores externos podem fazer com o que o governo tome medidas de olho nas eleições e essas medidas podem impactar o fiscal, que por sua vez podem impactar os cálculos dos investidores estrangeiros.
E-Investidor – E quais as principais dúvidas que você tem recebido dos clientes na consultoria?
Decat – Qual o nome do futuro ministro do Lula. Já entenderam que os integrantes do partido (PT) que têm falado sobre economia não representam o pensamento médio do ex-presidente, e isso está mapeado. Antes, aconteciam declarações de integrantes do PT que faziam vol, tinham impacto no mercado, mas agora a turma está vacina e sabe que eles estão falando por conta própria.
Os clientes querem saber quem é o cara que quando falar eles irão poder ter certeza que é o cara certo. E a grande dúvida também é qual é essa agenda Bolsonaro II, olhando para as eleições.
Apesar disso, é preciso reforçar: essa agenda (eleitoral) para o mercado financeiro vai entrar a partir de junho. Até lá, tem muitas questões no Congresso que estão sendo vistas com lupa porque impactam a inflação e impactam o fiscal.