- Por conta da crise do coronavírus e a queda nas taxas de juros, a Bolsa brasileira teve um forte incremento de CPFs em 2020
- Para Bredda, da Alaska, o atual momento é inédito e há muitas perguntas ainda sem respostas
- A B3 voltou a ter um boom de IPOs. Mesmo diante de uma crise, dez empresas já estrearam na Bolsa e mais de 20 aguardam na fila da CVM
A perda de atratividade em investimentos conservadores tem provocado uma migração de pessoas físicas para a Bolsa de Valores. Quem atua há muito tempo no mercado de capitais brasileiro considera esse movimento de busca por melhor rentabilidade na renda variável apenas o início de uma grande mudança de postura dos investidores, com forte potencial de expansão nos próximos anos.
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Durante o Eleven Sessions, evento realizado na segunda-feira (24) com debate sobre as perspectivas e oportunidades do mercado brasileiro, o gestor e sócio da Brasil Capital, André Ribeiro, falou da necessidade natural de sofisticação dos portfólios daqui para frente.
“Temos R$ 500 bilhões em investimentos ligados a ações e R$ 6 trilhões em investimentos ligados à Selic, que caiu de 14% para 2% ao ano. Ao longo do tempo, notamos uma necessidade de sofisticação do investidor, em termos de alocação de capital e prazo de investimento. E isso naturalmente remete à Bolsa e a setores da economia real, como a construção civil”, diz Ribeiro.
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Como exemplo, o gestor da Brasil Capital cita o crescimento na venda de imóveis e materiais de construção, mesmo em um período de crise financeira, provocada pela pandemia de coronavírus.
“Ao olhar para a possibilidade de investir a 2% ao ano, as pessoas já pensam em uma alternativa, que pode ser comprar uma casa ou investir em um terreno. Por isso vemos esse resultado forte nestes setores de construção”, acrescenta Ribeiro.
A Bolsa teve um forte incremento de CPFs em 2020. Dos 2.854.243 investidores totais da B3, em julho, 2.824.239 (98,95%) são pessoas físicas e 30.004 (1,05%) são pessoas jurídicas, conforme contagem dos CPFs/CNPJs de investidores por agente de custódia.
Na visão de Henrique Bredda, manager da Alaska Asset Management, o atual momento da Bolsa brasileira é um terreno inédito e ainda há muitas perguntas sem respostas: “Isso vai fazer com que ela se torne mais pulverizada? Mais empresas vão listar ações? O que acontece com quando o investidor estrangeiro vende e quando a pessoa física entra?”, questiona.
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Contudo, Bredda discorda da leitura de que há uma “bolha” na Bolsa atualmente e que essa interpretação, em parte, se dá por um certo “incômodo” de ter muitas pessoas físicas recorrendo ao mercado de ações. “As commodities e os bancos, uma parcela super importante do Ibovespa, estão do outro lado do espectro. Ou seja, não do lado de uma bolha, mas do lado de uma Bolsa super depreciada”, argumenta o gestor da Alaska.
Na opinião de Bredda, os bancos tradicionais, em questão de múltiplos, dividendos e valor patrimonial, comparado com o preço das ações, estariam com os papéis em um patamar muito abaixo do esperado. Já empresas de matérias-primas, como Vale (VALE3) e Petrobras (PETR4), estariam com as ações bem descontadas, com valores próximos de 30% se comparadas aos seus concorrentes internacionais.
O que esperar da Bolsa daqui para frente
Durante a roda de conversa, o CEO da AZ Quest, Walter Maciel, explicou que essa transferência de recursos da renda fixa para o mercado de capitais deve provocar um aumento de valuation porque a quantidade de empresas listadas na Bolsa ainda é muito pequena para o tamanho do País. Ao mesmo tempo, ele acredita que isso provocará também a entrada de novas companhias na B3.
“Esse dinheiro que vai começar a vir de renda fixa vai ser colocado na mão de empreendedores muito mais capacitados para fazer esse dinheiro andar e ser produtivo”, diz Maciel.
Em 2020, a B3 voltou a ter um boom de ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês). Mesmo diante de uma crise, dez empresas já estrearam na Bolsa em 2020. Até o final deste ano, esse número deve crescer, pois há mais de 20 empresas na fila com pedidos já protocolados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
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O sócio-fundador da Forpus Capital, Luiz Nunes, também vê a renda variável como um tipo de empreendedorismo. “O investidor está começando a empreender com o seu dinheiro e está correndo riscos. Uma dica é se espelhar em pessoas que você respeita”, sugere Nunes.
O gestor da Forpus observa que o fato de a taxa de juros ter sido drasticamente reduzida faz com que haja um início de exploração de novos meios de se obter rentabilidade. A ida de mais pessoas para a Bolsa também deverá impactar em um maior aprendizado das pessoas em relação à situação política e econômica do País.
“Ao entrar na Bolsa, o investidor fica exposto a todas as intempéries e vetores que mexem muito com o seu dinheiro. Então elas passam a querer saber o que está acontecendo no campo político, na economia e no mundo como um todo. Passamos a ter fiscais em todos os lugares do País. Isso cria um ciclo virtuoso para melhorar não só as práticas das empresas, como as práticas das instituições também”, diz Nunes.