- Com a moeda americana no centro das discussões, o debate deve se estender ao longo do dia
- Um dos conselhos de Haddad para Lula no encontro de hoje é a estratégia de melhoria de comunicação do governo com o mercado financeiro
- Ministro da Fazenda também aconselha o presidente a ter um pouco de cautela quanto às declarações sobre a política monetária
O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estão reunidos no Palácio da Alvorada, em Brasília, desde as 9h30 desta quarta-feira (3), para discutir estratégias de redução de despesas e frear as consecutivas altas no dólar. Na terça-feira (2), após bater R$ 5,70 na máxima do dia, um novo recorde anual, o dólar fechou o pregão sendo negociado a R$ 5,657, uma alta de 0,06% em relação à segunda-feira (1º) – por volta das 13h desta quarta-feira, a moeda estava cotada a R$ 5,574.
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Com a moeda americana no centro das discussões, o debate deve se estender ao longo do dia também com a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, segundo agenda do presidente.
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Um dos conselhos de Haddad para Lula no encontro de hoje diz respeito a uma estratégia de melhoria de comunicação do governo com o mercado financeiro para tentar arrumar a casa, segundo noticiou a GloboNews e a CNN. O ministro da Fazenda também aconselha o presidente a ter um pouco de cautela quanto às declarações sobre a política monetária e às críticas a atuação de Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central (BC), informaram as emissoras.
Com várias declarações de Lula vetando medidas ou criticando o BC, outros assessores do presidente também defendem que ele adote um tom mais moderado para evitar um agravamento ainda maior da situação econômica. Nos últimos dias, a cotação do dólar disparou devido à incerteza dos agentes do mercado em relação à trajetória fiscal do Brasil. A preocupação é que esse movimento impacte a economia real, encarecendo produtos e forçando o BC a aumentar os juros básicos, atualmente em 10,50% ao ano, para conter a inflação.
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Lula já se manifestou publicamente contra mudanças na política de valorização do salário mínimo (que afeta a Previdência Social) e a desvinculação entre benefícios sociais e o piso nacional. Ele também descartou limitar o crescimento dos mínimos em Saúde e Educação, que são justamente alguns dos maiores componentes do Orçamento.
Depois de focar em um ajuste fiscal centrado nas receitas, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) passou a defender também medidas do lado das despesas. No entanto, essa opção foi questionada após Lula afirmar, na semana passada, que primeiro precisa “saber se realmente é necessário cortar” gastos.
A equipe econômica está ampliando o cardápio de possibilidades de cortes sugeridas ao presidente, considerado um debate inadiável. Membros do Ministério da Fazenda ficaram preocupados com as declarações de Lula e preveem desafios para que Haddad e Tebet convençam Lula da necessidade dos cortes.
Dólar sobe 7,32% em um mês
Somente em um mês, o dólar subiu 7,32% e, neste ano, acumula alta de 16,11%. No início de junho, a moeda estava cotada em R$ 5,23, mas foi subindo a cada declaração de Lula sobre Campos Neto e os gastos públicos. O presidente insiste que não há necessidade de cortar despesas, o que tem preocupado investidores.
Nesta terça-feira (2), Lula afirmou, em entrevista para a rádio Sociedade, em Salvador, que Campos Neto tem “viés político” e que esse perfil não deveria estar à frente da instituição. Lula comentou ainda que, durante seu primeiro mandato, nos anos 2000, o Banco Central tinha “autonomia” mesmo estando sob seu “domínio”. “Eu acho que a minha visão sobre o Banco Central não é teórica, é a visão de um presidente que teve um Banco Central sob meu domínio durante oito anos e com total autonomia”, disse.
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O presidente defendeu a prerrogativa de indicar o dirigente do Banco Central, destacando que esse dirigente não deve fazer apenas o que o governo quer, pois a instituição tem uma função específica. “Agora, veja, eu não posso fazer nada, porque ele é o presidente do Banco Central, ele tem um mandato, ele foi eleito pelo Senado, eu tenho de esperar ele terminar o mandato e indicar alguém”, completou.
O petista reiterou que acredita no funcionamento correto e autônomo do Banco Central, com um presidente que não esteja sujeito a pressões políticas, mas salientou que a instituição não deve servir aos interesses do sistema financeiro e do mercado. Lula também criticou a manutenção da taxa de juros a 10,50% ao ano, conforme decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central em 19 de junho.
Críticas a Campos Neto preocupam o mercado
Na segunda-feira (1º), em entrevista à rádio Princesa, de Feira de Santana-BA, Lula afirmou que o correto é que o atual presidente da República indique quem vai comandar a autoridade financeira durante o seu mandato. “Eu estou há dois anos governando com o presidente do Banco Central indicado pelo Bolsonaro. Ou seja, não é correto isso. O correto é que o presidente entre e indique o presidente do BC. Se não der certo, ele tira. Como o Fernando Henrique tirou três”, disse.
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O petista também voltou a criticar a decisão do Banco Central de manter a taxa básica de juros (Selic) em 10,50% ao ano, classificando a medida como “exagerada”. “Quem quer o banco central autônomo é o mercado. Eu tive um Banco Central independente, o Meirelles (Henrique Meirelles, ex-presidente do BC) ficou oito anos no Banco Central no meu governo, sem que o presidente se metesse. O que você não pode é ter um Banco Central que não está combinando com o que é o desejo da população. Não precisamos ter política de juros alto neste momento. A taxa Selic de 10,5% está exagerada. A inflação está controlada”, afirmou.
Especialistas dizem que o mercado financeiro encara as críticas de Lula com preocupação. Tal receio se deve a possíveis interferências políticas no BC a partir de 2025, quando Campos Neto deve ser substituído por um indicado do presidente.
Mas se depender dos aliados do presidente Lula o governo deve antecipar sua indicação para a presidência do Banco Central, com o objetivo de conter a alta do dólar, segundo informações do jornalista Eduardo Gayer, da Coluna do Estadão. Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária do BC, é o principal candidato ao cargo.
Gayer afirma que essa discussão ganhou força durante a tarde desta terça-feira no Congresso e no Palácio do Planalto, embora ainda não haja um sinal claro de que Lula realmente irá antecipar sua indicação. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), um aliado do governo, defende que o anúncio do próximo presidente do Banco Central seja feito imediatamente.
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Alvo de comentários dos integrantes do governo, Campos Neto declarou que “muitos ruídos” em relação às expectativas sobre a trajetória fiscal e monetária do País levaram o Copom a interromper o ciclo de redução de juros. “Isso tem muito mais a ver com os ruídos que foram criados do que com os fundamentos. Os ruídos estão relacionados a dois canais: um é a expectativa sobre o caminho da política fiscal e o outro é a expectativa sobre o futuro da política monetária”, disse Campos Neto em fórum do Banco Central Europeu (BCE), em Portugal.
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Para Campos Neto, existe uma “grande desconexão” entre as expectativas do mercado financeiro e os dados atuais relacionados ao fiscal e à inflação. “O que aconteceu no Brasil é que as expectativas começaram a se desancorar [se afastar da meta], mesmo que os dados atuais estejam vindo como esperado”, afirmou.
Campos Neto mais uma vez evitou responder diretamente às críticas feitas por Lula à sua atuação. O presidente do Banco Central reafirmou que realiza um trabalho técnico e destacou que a instituição, sob sua liderança, implementou o maior aumento de juros em um ano eleitoral na história dos mercados emergentes. Ele afirmou que, como banqueiro central, deve manter-se afastado da arena política. “Acho que o que fizemos é prova viva de que tudo foi muito técnico”, disse durante o painel.
Campos Neto e Lula: veja os principais atritos dessa relação
Em 2021, o então presidente Jair Messias Bolsonaro (PL) sancionou a lei que concedeu autonomia ao Banco Central. A mudança estipulou que o mandato de quatro anos dos indicados para dirigir a autarquia começaria no primeiro dia útil do terceiro ano do mandato presidencial. Isso significa que um governo pode ter de lidar com um chefe do Banco Central nomeado pela administração anterior por metade do seu mandato. Esse é exatamente o caso entre Lula e Campos Neto.
1) Autonomia do BC
Desde o início do seu governo, Lula demonstrou insatisfação com a autonomia do Banco Central. Ao assumir a presidência, a taxa Selic estava em 13,75%, e Lula frequentemente criticava o Banco Central, os juros elevados e as metas de inflação. Em fevereiro de 2023, o Copom realizou sua primeira reunião no terceiro mandato de Lula e decidiu manter a taxa no mesmo nível desde agosto do ano anterior. A ata dessa reunião foi classificada como “malcriada” pelo Planalto, levando Lula a criticar Campos Neto abertamente. O governo esperava um tom mais otimista na comunicação do Copom.
Ainda naquele mês, Lula afirmou que o governo reavaliaria a autonomia do Banco Central ao fim do mandato de Campos Neto. Lula questionou a eficácia de um Banco Central autônomo e indicou que, se os resultados não melhorassem, mudanças seriam necessárias. O presidente destacou que o Banco Central “não é independente, é autônomo” e, portanto, deve prestar contas à sociedade, ao Congresso e a ele próprio, Lula. Ele também reforçou que não era seu papel “ficar brigando” com o presidente do BC, mas que buscaria dialogar quando necessário. Esse diálogo, no entanto, demoraria meses para ocorrer.
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Em março, Lula renovou suas críticas à taxa de juros de 13,75% e afirmou que continuaria pressionando o Banco Central. Campos Neto, por sua vez, manteve a posição de que o BC é uma “entidade técnica” e não deveria se envolver em política. Desde essa época, o BC mantinha um bom relacionamento com o Ministério da Fazenda, crucial para o diálogo. Campos Neto elogiou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmando que ele era “bem-intencionado”.
Lula manteve sua promessa de pressionar o Banco Central. Às vésperas da reunião do Copom de março, Lula criticou novamente a política monetária, considerando irresponsável a manutenção da Selic em 13,75% ao na ocasião. Após a reunião, a taxa permaneceu inalterada.
2) Pressão constante sobre o BC
Além de Lula, outros aliados como o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, também atacaram Campos Neto. Após a decisão do BC em março, Lula intensificou suas críticas, reclamando da falta de diálogo e comparando a situação atual com a época de Henrique Meirelles na presidência do BC.
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Lula destacou que quem deveria supervisionar Campos Neto era o Senado, que o indicou, e que ele deveria cumprir a lei da autonomia do Banco Central. Na época, a base aliada de Lula no Senado apoiava Campos Neto e a autonomia do BC, em contraste com as críticas do governo. Em meio a essas críticas, Campos Neto defendeu a manutenção dos juros altos para controlar a inflação a longo prazo. Ele afirmou que o BC operava de forma independente do ciclo político, reforçando a importância da autonomia.
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No início de maio, Lula voltou a afirmar que não buscava conflito com o BC, mas enfatizou que o banco deveria se preocupar também com o crescimento econômico e a geração de empregos. Lula reafirmou que, como presidente, tinha o direito de criticar o presidente do BC se julgasse necessário. A pressão do governo sobre o BC continuou até setembro. Lula e seus aliados criticavam a taxa de juros alta, chamando-a de “irracional” e argumentando que a demanda por redução dos juros vinha do povo. Lula acusou Campos Neto de não entender o Brasil e seu povo.
Na reunião do Copom em agosto, o BC reduziu a Selic pela primeira vez em três anos, em 0,5 ponto porcentual. Apesar do corte, o governo não diminuiu suas críticas. Em setembro, Lula reiterou que os juros ainda estavam altos e questionou a falta de diálogo com a autarquia.
3) Aproximação institucional com Haddad
Desde o início do governo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, buscou manter um canal de comunicação aberto entre a equipe econômica do governo e o BC. Em abril, após uma reunião com Campos Neto, Haddad destacou que os dois discutiam diversos temas e alinhavam informações.
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Em setembro, Campos Neto convidou Lula para uma reunião, o primeiro encontro entre os dois, com Haddad intermediando para restaurar as relações institucionais. A reunião durou cerca de 1h20, e Haddad ressaltou a importância da interação institucional. No final do ano, Campos Neto participou de um churrasco na Granja do Torto, onde teve uma breve conversa com Lula sobre as projeções de crescimento econômico para 2024. O tom da conversa foi amistoso, segundo observadores.
4) Novas exigências
No final de maio deste ano, Lula voltou a pressionar Campos Neto para reduzir a taxa básica de juros, citando a necessidade de políticas de empréstimos em meio à tragédia climática no Rio Grande do Sul. Lula expressou esperança de que o BC colaborasse com a redução da Selic para facilitar empréstimos a juros mais baixos.
A situação voltou a esquentar recentemente, com expectativas de que os juros só voltem a cair no próximo ano, após o Copom optar por frear o ritmo dos cortes na Selic em maio.
Real é a mais desvalorizada entre as moedas latino-americanas
O discurso intervencionista do presidente não agradou o mercado, que já lida com incertezas externas, como a taxa de juros dos Estados Unidos. A alta do câmbio é um dos efeitos imediatos dessa estratégia, podendo impactar rapidamente a economia real, desorganizando o planejamento das empresas e pressionando a inflação. Na quinta-feira (27), o governo americano informou que a economia dos EUA cresceu a uma taxa anualizada de 1,4% no período de janeiro a março. Esse foi o menor crescimento trimestral desde o segundo trimestre de 2022, mostrando uma leve melhora em relação à estimativa anterior.
As consecutivas altas do dólar ocorrem em meio a uma aceleração dos ganhos da moeda americana no exterior e novas máximas nos retornos dos treasuries de 10 e 30 anos, títulos de dívida emitidos pelo governo dos EUA. Esse cenário tem impacto nas moedas emergentes, incluindo o real, que tem o pior desempenho entre as moedas latino-americanas.
Na segunda-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou acreditar que o câmbio deve se estabilizar e que a situação do dólar vai se reverter à medida que as decisões sobre os gastos do governo forem concluídas. No entanto, a expectativa do mercado é diferente. De acordo com o Boletim Focus desta semana, economistas elevaram as projeções da cotação do dólar para o final deste ano e para os próximos. A previsão para 2024 subiu de R$ 5,15 para R$ 5,20, na terceira alta consecutiva. Um mês antes, estava em R$ 5,05.