- Felipe Miranda está deixando como legado para 2020 o livro “Princípios de Estrategista - o bom investidor e o caminho da riqueza”, recém-lançado pela editora Intrínseca
- Sobre a informação, ele afirma que "as pessoas nunca debateram ações de forma tão intensa, e mesmo que seja de forma rasa, é muito mais profundo do que era no passado. É um processo de evolução e, como todo processo, o crescimento é meio desordenado"
- Mas ele critica "a falsa narrativa que me incomodou em 2020 que foi a de que a pessoa física não sacou e deu aula para o gringo. Na verdade não sacou porque não deu tempo"
Felipe Miranda está deixando como legado para 2020 o livro “Princípios de Estrategista – o bom investidor e o caminho da riqueza”, recém-lançado pela editora Intrínseca. Mas ele vai logo desmistificando a ideia de que escreveu porque algo o incomodou num ano tão intenso. “O livro, em si, é mérito integral do Mioto. Ele que veio com essa provocação”, diz o sócio-fundador e estrategista-chefe da Empiricus sobre o co-autor da obra, o jornalista Ricardo Mioto.
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A verdade é que Felipe Miranda tem muito a dizer. Se no livro ele começa provocando o leitor a se despir da capa de heroísmo que todo novo investidor adora colocar, nesta entrevista ele não faz por menos e aborda os temas mais importantes e delicados do mercado financeiro, como youtubers, educação financeira, remuneração de gestores e distribuidores, ESG e, claro, o que enxerga do Brasil em 2021.
O sócio-fundador da Empiricus – que também está retratado neste perfil – quer deixar você desconfortável ao mesmo tempo que faz de você um investidor melhor. Será que ele consegue?
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E-Investidor – As redes sociais formaram semideuses dos investimentos, com pessoas acreditando em tudo o que sai na fintwit, por exemplo. O investidor consegue, de alguma forma, se proteger?
Felipe Miranda – No âmbito individual sim, mas no social acho difícil – embora possa parecer, em termos, uma contradição porque o social é a soma do individual. Mas se as pessoas tiverem bom senso… Olha o Felipe Miranda, um cara que tem uma equipe de 40 pessoas ajudando, gente séria, trabalhando e bem pagas. Ele erra para caramba, mas vem alguém, sozinho, gravando vídeos no YouTube, e esse cara vai ganhar do Luis Stuhlberger e do Rogério Xavier? Não faz sentido. Se a pessoa tiver um mínimo de distanciamento, ela vai conseguir ver assim: o mercado é difícil, senão esse cara não estaria pagando 40 pessoas. Porque ele não é tão totalmente burro a esse ponto e está errando tanto… Então, é um pouco de bom senso. Mas o atalho, o caminho fácil é uma super tentação do ser humano. Qual é o próximo que vai multiplicar por 10 ou que vão, automaticamente, dar um super salto? Na minha vida não teve salto, não teve atalho, nunca ganhei dinheiro fácil. Com esse distanciamento, se a pessoa se puser a refletir e a questionar, ela escapa. Mas a ganância é uma tentação humana e também tudo bem. Muita gente vai aprender no jeito mais difícil, não tem como fugir.
E-Investidor – A enorme quantidade de informação à disposição não deveria ajudar nesse ponto?
Miranda – As pessoas nunca debateram ações de forma tão intensa, e mesmo que seja de forma rasa, é muito mais profundo do que era no passado. É um processo de evolução e, como todo processo, o crescimento é meio desordenado. Vai ter youtubers, influencers ou essas maluquices todas que falam de uma, duas ou três ações que você tem de comprar e ficar na torcida. Achar que não é meio ingenuidade. Vai acontecer [de dar certo]? Pode acontecer, mas que as pessoas se belisquem. Faz sentido ficar torcendo para uma ação falando que ela vai fechar o ano a 10, 15 ou 20 reais? Isso vai fazer ela fechar? Não vai. Infelizmente, é um efeito colateral de um processo muito positivo. É assim no mundo inteiro. O Robinhood é assim lá fora e está uma loucura nesse sentido. As pessoas precisam se beliscar porque a tentação é enorme de cair nesse tipo de narrativa.
Eu não recomendo, mas estou comprando para o meu filho e estou lotado para mim? As pessoas estão lendo aquilo como uma recomendação. A rosa teria o mesmo cheiro se tivesse outro nome. É a mesma coisa
E-Investidor – Uma pesquisa recente da B3 mostrou que se aprende mais com um youtuber do que com um especialista. A indústria como um todo falhou?
Miranda – Não sei se falhou. É um pouco do sinal dos tempos. Quem mais se comunica hoje é por meio de redes sociais mesmo. Um tuíte ou um post da Kim Kardashian vai ser, infelizmente, mais lido do que o jornal. É assim em vários nichos. A grande especialista em treinos é a Gabriela Pugliesi. O mundo é assim. Mas se isso me preocupa? Para caramba! As pessoas têm aula e estão aprendendo educação financeira com um professor que não se formou para aquilo. Tem um problema de formação. Às vezes a pessoa, o youtuber, nem é mal intencionado. Ele também foi iludido por um processo, ganhou dinheiro por um tempo, porque o mercado permite isso, e ele se acha no direito de transmitir isso para frente. E, claro, há uma tentação enorme de ganhar dinheiro com essa monetização da audiência. Então tem o problema da má formação, tem a maldade e, até, o crime. Existe uma fronteira tênue aí. O que mais me preocupa é como entra a regulação nesse processo porque de um lado está a liberdade de expressão – e as pessoas podem se expressar -, mas por outro lado tem uma fronteira muito tênue de quando começa a análise. A instrução da CVM fala isso. Não adianta o cara falar ‘eu não sou analista, isso não é uma recomendação’, mas dizer: ‘essa ação é maravilhosa, deveria valer 30 reais, está num super processo de turnaround, estou comprando para os meus filhos, acho que vai dobrar’. Na verdade, é uma análise. Eu não recomendo, mas estou comprando para o meu filho e estou lotado para mim? As pessoas estão lendo aquilo como uma recomendação. A rosa teria o mesmo cheiro se tivesse outro nome. É a mesma coisa. É um processo de análise.
E-Investidor – O que pode ser feito com esses não analistas?
Miranda – O que caracteriza o processo de análise irregular é exercer uma profissão para a qual não se está habilitado. É um processo administrativo, que a CVM poderia abrir, com a análise regular de ativos, com um outro que é o próprio processo de manipulação de mercado, que também às vezes nem é tão intencional assim. Mas se você é um cara com centenas de milhares de seguidores ou milhão de seguidores, compra uma ação de baixa liquidez e todo mundo compra na sequência. Aí você vende. Não é nem que você está ‘traidando’. Comprou a 10 e quer vender a 13, os caras compraram e a ação subiu para 13, então você vende na cabeça deles. Agora, primeiro há uma fronteira ética aí. Depois, uma fronteira de quando se caracteriza manipulação de mercado. Eu defendi recentemente que se você é um seguidor influente, uma vez que falar de determinada ação tem de ficar X dias sem negociar. Aí beleza, você pode se expressar livremente. Se não, você está influenciando. Você fala e dois dias depois ‘traida’ na direção contrária?! Você está negociando na cabeça dos seus seguidores. Isso é a criação de artificialidade de demanda. Eu como analista estou impedido de negociar ações por um tempo, conselheiros de empresas estão proibidos de negociar por um tempo, por que não o influenciador, que influencia mais que um jornalista, que provavelmente tem uma restrição como a que eu tenho? De novo, sinal dos tempos, nem melhor nem pior, apenas é o que é, porque o influencer, que às vezes é mais importante do que eu ou você, por que esse cara pode fazer? Deveria ser uma condição isonômica para todos nós.
E-Investidor – Essa falta de educação financeira não é prejudicial? Se o juro voltar a subir, o investidor que aprendeu da forma errada não correrá para a renda fixa?
Miranda – Tenho uma grande preocupação e nem é tanto com a renda fixa, porque acredito que o juro, por mais que suba, não vai subir a ponto de voltar o processo. A metáfora que eu tenho é o mito da caverna, uma vez que você vê a luz, não dá para voltar. Foi para o mundo novo, não vai voltar para trás. Agora, esse investidor pode fazer muita bobagem, vendendo na hora errada, se alavancando… Essa é a minha maior preocupação! Porque ele foi muito para a bolsa este ano, num cenário que estava uma extrema incerteza. Todos viram o Renaissance, do Jim Simons [um dos maiores fundos de hedge do mundo], caindo pela primeira vez na história; o Ray Dalio [o gestor do fundo mais lucrativo do mundo] caindo 20%, o Warren Buffett vendendo companhia aérea e o negócio subindo 60% na cabeça dele. Era um cenário de extremo risco, mas que acabou dando certo. Então, muita gente ganhou muito dinheiro na bolsa nessa história de comprar na baixa. Só que poderia ter dado errado, e deu certo. A tentação de se julgar um herói, neste momento, está enorme. Comprou a 70 mil pontos está fechando o ano a 120 mil, o cara pensa, ‘ah, peguei a manha’. Peguei a manha? Esse negócio não tem manha, não tem atalho, é duro, é trabalho, vai errar para caramba. E, se der tudo certo, vai acertar mais do que errar. Meu maior medo é a pessoa entrar nesse campeonato de Fórmula 1. O mercado é muito competitivo, é muito duro, mas ela está muito confiante e acha que vai lutar de igual para igual. Tem um contexto aí de que quando as coisas vão bem, tudo bem. Mas uma hora as coisas vão mal, porque faz parte do processo ir mal. Capitalismo sem falência é como catolicismo sem inferno, não dá certo. Tem que ter momentos ruins mesmo. E quando tiver a gente vai ver.
Teve uma falsa narrativa que me incomodou em 2020 que foi a de que a pessoa física não sacou e deu aula para o gringo. Na verdade não sacou porque não deu tempo
E-Investidor – Mas o investidor pessoa física não se manteve firme em 2020?
Miranda – Teve uma falsa narrativa que me incomodou em 2020 que foi a de que a pessoa física não sacou e deu aula para o gringo. Na verdade não sacou porque não deu tempo. Foi uma crise muito intensa, mas de dois meses no mercado. Se fosse um bear market estrutural, como foram os outros, você veria a pessoa física resgatando e sacando. Foi muito rápido. Não deu tempo. Em 2008, o Lehman Brother quebrou em setembro mas o fundo só aconteceu em março de 2009. Por isso, não é que o investidor está maduro, foi só uma crise sui generis, muito particular e de intensidade absurda, mas também com velocidade de recuperação.
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E-Investidor – Uma palavra que entrou no vocabulário do mercado foi o ESG. Foi uma outra narrativa criada?
Miranda – Quem melhor definiu para mim foi o ESG foi Sérgio Rial numa conversa que tivemos num evento da Empiricus. As pessoas precisam entender que ESG é uma agenda de negócio. Quando for uma agenda, primeiro, para parecer bonito nas redes sociais ou só para se achar descolado perante os amigos da Vila Madalena não vai funcionar. Precisa ser uma agenda de negócio no seguinte sentido: o consumidor vai começar a valorizar empresas que se dedicam, de fato, às boas práticas nesse sentido; o investidor vai bater em empresas que não tiverem boas práticas de governança corporativa; o investidor vai penalizar a Vale enquanto ela não resolver Brumadinho; os ETFs globais vão comprar mais Natura (NTCO3) porque são ETFs ESG; a Weg (WEGE3) vai entrar nos índices ESG e vai ter múltiplos mais altos. Então se começa a ter tangibilidade em relação ao ESG. Do ponto de vista empresarial, eu preciso fazer uma confissão que eu não sou um grande especialista em ESG e é uma agenda que estamos muito atrasados na Empiricus, porque a gente sempre fez negócio com a perspectiva de que a ética resume um pouco essa história toda.
E-Investidor – Pode explicar melhor?
Miranda – Essa é uma opinião muito pessoal que provavelmente as pessoas do ESG não vão concordar comigo, e talvez elas estejam certas, e reconheço que seja porque talvez não sou um grande especialista, mas quando você tem uma perspectiva ética sobre as coisas, a questão do meio ambiente vai estar resolvida por meio da lateralidade porque você não vai poluir para deixar o meio ambiente para as suas filhas ou netas viverem num planeta pior. Você vai ter uma boa governança porque vai tratar o seu acionista minoritário da mesma forma; não tem por que na Empiricus eu ser beneficiado e os minoritários não serem se foram eles construíram a empresa comigo. A perspectiva social é a mesma coisa. Como você consegue sair na rua e olhar do lado? Então quando você não olha, isso se volta contra. A verdade é que essa é uma agenda que vai ser muito importante no mercado financeiro no sentido de que as ações ESG vão negociar a múltiplos mais altos do que as outras. Elas vão ser importantes empresarialmente porque os consumidores vão valorizar, os fornecedores vão valorizar, os stakeholders, os credores, vão valorizar.
O que precisa evoluir, na verdade, é o quanto do bolo fica para o gestor, para o investidor e para o distribuidor. Tem muito distribuidor levando mais que o gestor e muito gestor levando mais do que o cotista. Esse é o problema. O 2 com 20, por exemplo, é um negócio que precisa morrer
E-Investidor – O Brasil ainda é um país muito indexado. Se pegarmos os investimentos, faz sentido para você começar a falar mais de fundos de retorno absoluto em vez de fundos que rendem X% do CDI?
Miranda – Faz sentido e é uma herança ainda do período inflacionário e do juro muito alto. Mas essas coisas vão sendo corrigidas. Mas se for só uma forma de apresentação, não tem tanto problema. O que quero dizer? Se o fundo deu retorno absoluto ou X% do CDI ou se ele deu CDI mais X é a mesma coisa. Só o tamanho da régua que está mudando. O que precisa evoluir, na verdade, é o quanto do bolo fica para o gestor, para o investidor e para o distribuidor. Tem muito distribuidor levando mais que o gestor e muito gestor levando mais do que o cotista. Esse é o problema. O 2 com 20, por exemplo, é um negócio que precisa morrer. Porque não faz mais sentido cobrar 2% de taxa de administração num CDI de 2%. O gestor entrega muito não tem problema. O Jim Simons, que cobra 4% de adm e dá 30% por ano – tirando este ano que caiu – tudo bem pagar 4 para ele entregar 30. O problema é a divisão do bolo. Não sou contra pagar para o gestor, desde que ele entregue resultado. A conta que tem de ser feita é esta: fechou o ano e peguei 5 e te entreguei 4 ou peguei 3 e te entreguei 4, aí não dá. A cadeia financeira ainda está muito bem paga frente ao mundo novo.
E-Investidor – As novas gestoras podem resolver esse problema?
Miranda – Não adianta criar uma gestora descolada, que vai fazer robozinho. Mas aí não tem gestor também. Essas gestoras, sem citar nomes para não ser deselegante, mas essas novas empresas digitais de gestão, de gente que saiu de corretora, têm ideias muito legais. Mas montar uma gestora que não tem um gestor? No fundo, é o que gera resultado. Claro, a taxa quanto menor, melhor, mas pagar mais caro pelo Jim Simons é melhor para você. Eu não me incomodo pagar se tiver qualidade, mas tem muita gente cara e ruim, assim como tem muita gente barata ruim também. Aí é um problema.
E-Investidor – Você coloca a concentração do Ibovespa em commodities e setor financeiro como um problema para o País? Não deveríamos fazer uma passagem para empresas de tecnologia?
Miranda – Estamos atrasados, sim, mas é meio difícil resolver isso. As grandes empresas tech são globais. Claro, tem um exemplo ou outro. A Locaweb (LWSA3) é um, mas ainda é pequena, a Magazine Luiza (MGLU3) é a nossa referência tech de algum modo, embora seja uma empresa varejo, mas de muita tecnologia. Concorrer com a Amazon, com o Google em âmbito global é super difícil. Você viu o que aconteceu com as ameaças chinesas, como o Alibaba. Começa a ficar ‘go global’ e o governo chinês fala, ‘opa, segura esse camarada que o partidão importa mais’. Foi assim com a Fosun, agora com o Alibaba. O Brasil tem uma tradição razoável de fintechs, tem um polo em Campinas importante, no Nordeste importante, tem iniciativas bacanas, programadores excepcionais, mas a bolsa tem pouca empresa e ainda é um mercado emergente de commodities e bancos. Espero que tenham novas Locawebs, mas com o risco que também está meio hype. Junta qualquer cara, faz um e-commerce e de repente boom está num IPO. São narrativas que me surpreendem, como a Verde e a SPX terem 5% da Enjoei. Para mim era um negócio de private equity ainda, não de IPO. Mas a fundadora contou uma história ótima, e ela é ótima mesmo, e o mercado comprou. Adoraria, mas vejo com ceticismo. Não vejo tantas Locawebs assim. Tenho um pouco de bode desses empreendedores de empresa de 5 pessoas que acham que podem captar US$ 1 bilhão no Vale do Silício. Começou ontem…
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E-Investidor – Mas, em termos de disrupção, a Empiricus mudou o mercado, não?
Miranda – Existia lá fora, aqui não existia. Acho que sim, embora existisse a Lopes Filho. Mas trouxemos esse conceito de research independente para o Brasil. A gente não se chama de disruptivo porque eu acho muito brega. Acho brega essa história de organizações exponenciais, disruptivo, nova tecnologia, startup… A gente abomina essas palavras aqui. Acho que criamos uma indústria mas, tecnicamente, além do bode com a palavra, acho que não ‘disruptou’, não. O research tradicional continua existindo.
A gente não comeu mercado de research de banco, até pela natureza. O investidor não deixou de ler a Goldman Sachs para ler a Empiricus. Ele começou a ler os dois. Research não é como máscara que você usa só uma
E-Investidor – O Táxi e a Uber também convivem.
Miranda – Mas a Uber comeu um mercado. A gente não comeu mercado de research de banco, até pela natureza. O investidor não deixou de ler a Goldman Sachs para ler a Empiricus. Ele começou a ler os dois. Research não é como máscara que você usa só uma. Mas de algum modo criamos uma nova indústria. Na verdade, duas, para ser sincero, que é a história do marketing digital no Brasil numa ótica institucional. Isso existia numa perspectiva de um mundo de internet meio blogs, meio empreendedores individuais. Uma persona, não uma empresa. A Empiricus é uma empresa, por mais que seja o meu rosto, é uma instituição. Você trazer esse marketing digital para um ambiente empresarial, acho que a gente trouxe isso. Hoje você vê a XP fazendo, o Itaú fazendo e o próprio E-Investidor com as newsletters… Duas coisas que a gente se orgulha bastante de ter trazido para o Brasil, mas que foi meio na sorte. Não foi tão pensado. Essa história do marketing digital trouxemos do sócio americano e o research foi porque a crise de 2008 estava matando o research mundial. Foi bem oportunístico.
E-Investidor – O relatório ‘O Fim do Brasil’ ainda é muito lembrado. Qual é o título que você daria para o relatório de 2021?
Miranda – É difícil, porque uma imagem é a da volta da normalidade, de valorização. Eu ainda não tenho um título que eu possa resumir, mas é uma espécie de um retorno a si mesmo. Todos nós e os mercados voltando sem essa volatilidade, com alguma previsibilidade, mesmo que seja imprevisível ainda. Mas não com a que o André Esteves chama de muito cisne para pouco lago: pandemia, depois crise do petróleo, depois a recuperação em V, você tentando entender uma coisa e já está acontecendo outra. É uma volta à normalidade, de descobrir que era feliz e não sabia, uma espécie de felicidade que nunca tivemos. Perceber como era legal sair com os amigos e tomar um chope ou um vinho e esse desejo de se viver uma vida. Viver a vida em 2021. E acho que o mercado financeiro vai ser assim, acho que todo mundo está querendo ser feliz: uma volta à felicidade, meio por aí. E felicidade não no sentido de euforia, uma felicidade natural.
E-Investidor – Você está otimista com 2021?
Miranda – Estou, mas sem ingenuidade. Vai ter muita frustração, do tipo ‘vixi’, não vai abrir o mundo ainda, a vacina vai demorar para chegar, principalmente no Brasil que não tem plano de vacinação. Ninguém planejou nada, ninguém comprou nada, não temos ministro da Saúde até hoje – digo no sentido de ser um ministro da Saúde, porque temos alguém que representa, está lá no posto, mas a saúde não é a especialidade dele. Está todo mundo querendo… Ninguém aguenta mais ficar em casa, todos querendo consumir. Tem uma sobra de poupança porque as pessoas vão voltar a circular. Está todo mundo louco para ir num show, louco para viajar, louco para ir num shopping com frequência, louco para visitar a mãe e levar um presente. É um negócio de dentro, meio antropológico, sociológico… Tem taxas de juros muito baixas, uma liquidez brutal, uma recuperação cíclica normal (depois de cair, volta) porque o mundo é naturalmente de crescimento, tem um pacote fiscal americano que deve puxar preço de commodities. Isso bom para mercado emergente e bom para o Brasil, porque é um beta enorme. Minério de ferro US$ 165 a tonelada, o petróleo US$ 45-50 o barril, soja em bons níveis, então as nossas commodities em bom preço é bom para o Brasil. O dinheiro voltando a fluir, depois de ter ido muito para os EUA com o Trump e a pandemia, retornará para mercados emergentes.
O governo é muito atabalhoado, mas Brasília se move sempre que ela olha para o precipício, principalmente quando ela olha e vê que a gente pode mergulhar numa depressão profunda. O governo, o executivo, talvez ele se mova em direção às reformas menos por convicção mas por medo de uma recessão brutal em 2022
E-Investidor – Qual é o seu cenário para o Brasil?
Miranda – O Brasil não deve subir tanto a taxa de juro. Sobe um pouco, mas nada que vai abortar esse processo do ‘financial deepening’, e faz reformas. O governo é muito atabalhoado, mas Brasília se move sempre que olha para o precipício, principalmente quando vê que podemos mergulhar numa depressão profunda. O governo, o executivo, talvez se mova em direção às reformas menos por convicção mas por medo de uma recessão brutal em 2022. Algo como ‘Eu sou o favorito para ganhar, as pesquisas mostram isso, só preciso tocar a bola de lado e evitar um grande problema’. Qual seria esse grande problema? O fiscal. Então, se não ajustar o fiscal essa história pode explodir na minha cara ali em maio, junho com o dólar de repente a R$ 7, a inflação de volta. Aí é obrigação subir a taxa de juros, mergulhar numa depressão profunda. A gente nunca vai saber porque a história nunca conta a alternativa, mas talvez seja isso que explique a derrota do Trump, entre outras coisas. Se não fosse um cenário de tamanha depressão, possivelmente eles teria mais chances, mas isso nunca saberemos. Mas voltando ao Brasil, o fiscal não será brilhante, mas acho que alguma coisa anda. O Congresso, de algum modo, é reformista, o ministério da Economia é reformista e o presidente da República não sabe o que é, mas anda com a conveniência. Então a conveniência vai estar de um lado mantendo o auxílio emergencial com o nome que se quiser dar ao programa de assistência, para garantir o apoio das classes mais baixas, e do outro arrochando e tentando andar com uma privatização de Eletrobras (ELET6), que eu acredito, com idas e vindas, tropeços, parece que não vai, mas vai. E alguma coisa de reforma administrativa e de tributária. Poxa, tá bom. Poderia ser mais? Claro, mas dada a realidade brasileira, com o presidente que temos, está bom. Para 2021 está bom.
E-Investidor – O que incomodou você para escrever o livro “Princípios de estrategista – o bom investidor e o caminho para a riqueza”?
Miranda – Eu tenho uma provocação com o mercado como um todo que me acompanha, acho que desde sempre que é um pouco desses semideuses que as pessoas se auto atribuem e atribuem aos outros. Essa é uma grande motivação minha de mostrar que às vezes deriva da aleatoriedade e tal. Isso é algo meu. Até porque a própria Empiricus e o Sextus Empiricus é um cara contra os professores, escreveu um livro sobre isso, o meu pai quebrou se achando um gênio do mercado… Então essa questão é muito cara para mim. Mas o livro, em si, é mérito integral do [Ricardo] Mioto. Ele que veio com essa provocação. Não sei se ele está certo ou errado, e não queria que isso soasse arrogante, porque definitivamente não é, porque é literalmente como veio. O Mioto disse assim: ‘você é um pensador do mercado financeiro, mas é percebido como um bom analista de ações no máximo (risos), na melhor das hipóteses. Nunca como um pensador. Muitos te associam ao marketing, algumas aos acertos em ações, mas ninguém te associa ao quanto você pensa o mercado financeiro, o quanto você tem de ideias sobre o mercado financeiro e a gente precisava sistematizar isso. você escreve todos os dias, então me deixa juntar todas as suas ideias e escrever isso continuamente, que forme um livro’. E aí, claro, também tinha esse interesse institucional da Empiricus de se posicionar no mercado editorial e fazia todo o sentido para nós. Foi daí que surgiu a ideia. É menos romântico. Havia uma oportunidade para a Empiricus e para mim. E de o Mioto de falar: você precisa se posicionar com algo que você já é; vamos mostrar para o mundo.
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E-Investidor – O livro é interessante porque ele começa causando um desconforto no leitor e depois vai mostrando com calma as saídas no universo dos investimentos. Essa é a estratégia que você aplica na sua vida?
Miranda – É exatamente isso. Você falou essa história e espontaneamente veio para mim a dissertação do Matheus Duarte, que trabalha comigo. O Matheus diz que foi sob minha influência a dissertação: essa história de ter exposição sistemática à sorte. O mundo é muito aleatório e, na verdade, as coisas que vão decidir a sua vida dependem muito menos do seu mérito e muito mais do acaso, das forças que vão acontecer. Mas isso não significa que você tem de ficar em casa esperando. Você tem de se preparar para caramba e ficar esperando um monte de coisas que fazem sentido. Uma hora você vai dar muita sorte. Aí vai vir todo mundo dizer, ‘nossa, como você é sortudo, olha só a sorte que você deu’. Mas ninguém vai ter visto os 1.000 azares ao longo do caminho. Vai parecer que foi de primeira. É exatamente isso. Você não é um herói, o mundo é muito suscetível ao acaso, à aleatoriedade. Cuidado que não tem gênios por aí, nem todos são gênios. Mas isso não significa uma postura niilista perante a vida e o mercado. Tem muito a se fazer, principalmente no sentido de evitar fazer bobagem. O livro é mais um apelo de não fazer bobagem e se expor sistematicamente à possibilidade de ter sorte. É basicamente ficar tentando coisas que são convexas, que vão dar mais retorno do que prejuízo. Na média, se você acertar 5 e errar 5, ainda pode ganhar muito se ganhar muito mais do que perder. É como usar as probabilidades e aleatoriedades a seu favor. É exatamente assim que eu penso a minha vida. Sou insuportável com isso.
Acho que está faltando isso, uma espécie de… primeiro essa ondazinha hype, meio descoladinha. O mercado é duro, falta um pouco dessa casca grossa, no bom sentido de ser casca grossa, de aguentar porrada para essa turma
E-Investidor – Um dos trechos do livro de maior carga emocional é um sobre o seu pai, que você cita o Joseph Safra. Como a morte recente dele mexeu com as suas lembranças?
Miranda – Eu tive uma relação de muito amor, mas um pouco conflituosa com o meu pai. Então o livro ajuda numa espécie de reconciliação terapêutica. E agora bem mais superado e também com muita terapia e remédio essa questão andou. Quando ouvi sobre o falecimento do seu José eu fiquei emocionado. Não que a gente fosse próximo, eu estaria mentindo, mas tinham essas convivências nos eventos. Ele sempre era muito carinhoso conosco e meu pai trabalhava muito. A cultura do banco sempre foi de muito trabalho, muita seriedade de pagar bem quem ia bem, mas também de ‘carcá’ quem ia mal, tomar esporro. Acho que está faltando isso, uma espécie de… primeiro essa ondazinha hype, meio descoladinha. O mercado é duro, falta um pouco dessa casca grossa, no bom sentido de ser casca grossa, de aguentar porrada para essa turma. Então isso me emocionou: como era bonito formar caráter a partir do trabalho. Essa cultura de que os caras eram muito bons, mas erravam muito, e no final ganhavam muito dinheiro, afinal, o seo José Safra era um rapaz que conseguia pagar o IPVA com alguma tranquilidade… (risos) O trabalho, a disciplina, cobrar as pessoas, mas incentivá-las ao certo ainda é o caminho para se dar bem nessa trajetória. Não tem atalho, não tem caminho fácil. Foi isso que pensei de forma emocionada com o falecimento dele.