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Comportamento

Homens, brancos, de meia-idade: o perfil dos CFOs no Brasil

Pesquisa do Insper mostra que apenas 10% dos CFOs das maiores empresas do País são mulheres e 8% são negros

Homens, brancos, de meia-idade: o perfil dos CFOs no Brasil
Trade é o nome das negociações de ativos na bolsa de valores, podendo ser dividido em duas vertentes principais: o swing trade (operação que dura dias ou semanas) ou o day trade (operação feita em 24 horas). (foto: Unsplash)
  • De acordo com a pesquisa “O Perfil do CFO no Brasil 2021”, realizada pelo Insper, apenas 10% destes executivos são do gênero feminino e 8% são negros
  • Segundo a pesquisa, as CFOs mulheres tiverem menos acesso a faculdades públicas e estão há menos tempo no cargo
  • Os profissionais negros também tiveram menor acesso à educação e trabalho no exterior

A cadeira de CFO (diretor financeiro) de uma empresa não é fácil de se ocupar, principalmente se você for mulher ou negro. De acordo com a pesquisa “O Perfil do CFO no Brasil 2021”, realizada pelo Insper em parceria com a Assetz Expert Recruitment, apenas 10% destes executivos são do gênero feminino e 8% são pretos ou pardos. O estudo ouviu 128 pessoas, integrantes de companhias com pelo menos R$ 1 bilhão em faturamento e que estão na lista Exame de 2019 das 500 maiores do Brasil.

É importante ressaltar que, entre os participantes, apenas um CFO se encaixou nos dois principais grupos minoritários – ou seja, mulher e negra. No geral, o Insper apontou que os diretores financeiros das empresas brasileiras são majoritariamente brancos (85%), homens (90%) e com idade média de 47 anos. A maioria é formada em cursos de administração (46%), ciências econômicas (21%) ou engenharia (20%), sendo que 70% tem pós-graduação.

Em questão de diversidade, os números são piores do que os últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua). Em 2019, por exemplo, as mulheres ocupavam 37,4% dos cargos gerenciais. Um ano antes, 30% dos profissionais negros trabalhavam em posições de liderança.

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“É uma luta constante, um desafio do dia-a-dia de entrar, ter voz, ter vez, fazer com que sua voz seja percebida e não passar despercebido em um processo. Fui CFO por mais de 14 anos e não foi uma, nem duas vezes, que sentei na mesa e era a única mulher. Sempre foi um mercado característico masculino”, afirma Rachel Maia, CEO da RM Consulting e conselheira administrativa, embaixadora da W-CFO Brazil, além de primeira mulher negra a assumir uma vaga em um conselho de empresa listada. “É fundamental a união desses 10% de mulheres.”

O acesso restrito aos cargos de CFO, e de liderança como um todo, contrasta com a composição da população brasileira, formada 54% por negros e 51,8% por mulheres. “Essa pesquisa só confirma o que outras investigações apontam, que há uma espécie de sub-representação desses grupos em cargos, que dentro do universo corporativo, são chamados de C-Levels. Ou seja, CEOs, CFOs e por aí vai”, afirma Márcio Macedo, professor e coordenador de diversidade da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP).

Na visão de Macedo, as empresas reproduzem lógicas que estabelecem uma exclusão desse contingente da população em cargos de liderança. “No último censo das 500 maiores empresas, vemos muitos negros nas posições de trainee, correspondente a 58% do total. Conforme vai subindo para outros cargos, esse percentual afunda”, afirma. “E no caso da mulher negra tem uma especificidade. Elas sofrem dupla discriminação, quando se tem intercruzamento entre as categorias raça e gênero.”

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A desigualdade entre mulheres e homens, negros e brancos, pode ser observada no caminho percorrido por estes executivos até o cargo de chefia no mercado financeiro. Uma minoria das profissionais mulheres, por exemplo, teve acesso à educação superior pública (31%), contra 40% dos negros e 42% dos demais grupos.

As diretoras também estão há menos tempo no cargo: em média, atuam como CFOs há cinco anos, enquanto os negros estão há sete anos e os demais grupos há cerca de oito anos. Por outro lado, a maioria delas (85%) chegou à cadeira por meio de promoção interna da empresa, enquanto o mesmo ocorreu com apenas 30% dos executivos negros e 47% dos demais grupos.

O panorama vai ao encontro das habilidades e características interpessoais identificadas por essas líderes no estudo do Insper. “Uma diferença interessante nos estilos de gestão apareceu nas competências comportamentais, em que somente as entrevistadas reportam o domínio de habilidades de comunicação entre as três habilidades mais importantes”, afirmou o Insper, na pesquisa.

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Esse estilo de liderança diferente das mulheres é destacado por Silvia Vilas Boas, CFO Natura & Co América Latina. Formada em engenharia mecatrônica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), com diversas especializações em finanças e gestão, a executiva trilhou o caminho até a chefia financeira prezando justamente por essa autenticidade feminina na gestão.

“Sempre abracei o que sou e conquistei meu espaço sendo a ‘Silvia’ profissional, esposa, mãe, que adora esportes e é bem-humorada. Me diferenciei sendo eu, mas muitas mulheres acham que para serem aceitas tem que se adaptar aos ambientes”, afirma Vilas Boas. “As mulheres escutam as pessoas e exercem empatia melhor do que os homens, o que é uma dádiva. Conseguimos entender e navegar melhor nos ambientes. Sempre usei muito essas qualidades.”

Por fim, quando questionadas sobre como se imaginam em cinco anos, 62% das mulheres responderam que não se vêem nem como CEOs, nem como CFOs (cargo atual), mesmo que a idade média delas (47 anos) seja similar a dos homens – a resposta foi a mesma para 50% dos executivos negros. Considerando o panorama geral, 66% dos 128 respondentes se projetam como CEOs até 2025.

Segundo Carlos Caldeira, coordenador do Centro de Estudos em Negócios e professor do Insper e um dos autores do estudo, essa característica pode indicar uma necessidade de repensar questões relacionadas à retenção dessas líderes.

“Será que as mulheres estão sub-representadas porque não se enxergam subindo na empresa? Será que estou oferecendo as oportunidades certas para essas pessoas? É uma questão interessante”, diz Caldeira. “É uma diferença grande e marcante na nossa amostra. Elas se vêem menos carreiristas, aparentemente. Mas é importante lembrar que a amostra é pequena e que pode não representar a realidade de forma totalmente fiel.”

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Para Maia, uma das explicações para esse panorama está ainda nos desafios que mulheres líderes enfrentam na rotina profissional. ” Todo dia é uma batalha para fazer valer a sua posição. Toda hora você é questionada. Então, muitas vezes é exaustivo, mas eu acho que esse percentual (de mulheres CFOs) irá aumentar, já que cada vez mais a mulher vem se empoderando”, explica.

A executiva também ressalta que, apesar de a pesquisa mostrar uma realidade chocante, a tendência para o futuro é que mais mulheres cheguem a cargos de CFO e CEO. “Se esses 10% que temos hoje não virarem 20% em cinco anos, acharei muito estranho. Existem mais candidatas no mercado, mais mulheres em cursos de contabilidade e economia, que são drivers para ser CFO, o que é um potencial muito importante.”

 

Oportunidades desiguais

Olhando pelo prisma racial, 60% dos CFOs negros são formados em administração, uma das formações mais abundantes no País, e 50% deles realizaram um MBA (pós-graduação destinada a administradores e executivos). O mesmo grau acadêmico é apresentado por 62% do público feminino e 71% dos demais participantes da pesquisa.

Quando o assunto é trabalho ou estudos no exterior, a diferença é ainda mais gritante. Nenhum dos entrevistados negros teve a oportunidade de cursar MBA em um país estrangeiro, contra 8% das mulheres e 19% dos demais profissionais. Esse grupo racial também possui menos experiência profissional fora do Brasil (31%), em comparação com os diretores financeiros brancos e de outros grupos raciais (44%).

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“Os outros profissionais foram bem mais propensos a ter uma carreira com passagem pelo exterior, em consonância com a literatura. Se isso for um acelerador de carreira, é mais uma condição que poderia perpetuar os problemas de carreiras das minorias”, diz o Insper, na pesquisa.

De acordo com Caldeira, essas diferenças em termos de oportunidades de estudo e trabalho jogam luz na importância de repensar como as empresas selecionam, contratam e treinam os profissionais. “É preciso questionar se estar muito fechado na contratação (com muitas exigências) está me trazendo menos competências diversas”, afirma o especialista.

Cerca de 67% dos diretores financeiros participantes, por exemplo, afirmaram não ter um sucessor preparado na equipe - o que abriria a necessidade de procurar um eventual substituto ‘pronto’ no mercado, ao invés de elencar alguém de dentro da própria empresa. Esse panorama pode explicar a baixa mobilidade intersetorial apresentada no estudo, ou seja, 75% dos respondentes já haviam exercido a função de CFOs em cargos anteriores e 35% atuavam no mesmo segmento econômico da atual empresa.

“Se eu estou contratando um cara que já é pronto, do mesmo setor, de fato estou trazendo competências novas? As empresas não precisam inovar? Se todo mundo fizer isso, as companhias ficarão sempre bem parecidas”, afirma Caldeira.

Maia, por exemplo, afirmou que não estava totalmente preparada quando assumiu o cargo de CFO pela primeira vez. Mesmo assim, a executiva, que foi diretora financeira de grandes companhias como Lacoste e Tiffany & Co., buscou aprimoramento a cada nova oportunidade.

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"Eu fui CFO e faltava um monte de conhecimento para mim, eu não estava totalmente formada, eu não tinha todos os skills, mas fui atrás. Eu fiz quatro MBAs porque em cada posição nova que eu entrava, eu precisava de mais conteúdo, seja de networking ou de livros. Mesmo que o sapato estivesse mais largo que o meu pé, eu o calçava", afirma. "A minha esperança é que esses dados estatísticos sirvam para os CFOs como um alerta de que temos que mudar a forma com que a sucessão está acontecendo."

Vilas Boas, CFO da Natura &Co, tem a mesma visão. "Ter um sucessor é papel e obrigação de quem está nessa posição (de CFO)", explica. "É extremamente importante até mesmo para assumir novos desafios. Afinal, como você vai para novos desafios sem ninguém para ficar em seu lugar? É um limitador."

Outro ponto que chama a atenção é que os CFOs negros vêm majoritariamente do mercado financeiro (60%) ou já atuaram como conselheiros (50%) antes de serem contratados como diretores financeiros. O mesmo não ocorre com os demais profissionais, pelo menos com tanta relevância. Segundo o Insper, esse diferencial de trajetória é significativa e, entre os negros, o percurso por meio de instituições financeiras parece ser um dos atalhos até o cargo.

O futuro, entretanto, parece ser mais positivo para esses profissionais. "Os percentuais de negros na faculdade, sejam por ações afirmativa, ou por cotas, têm aumentado. Estamos formando potenciais 'pools' de talentos para que eu possa indicar, porque o que não me falta é todo dia um executivo me pedir uma indicação de profissional negro", conclui Maia.

O CFO do futuro?

A pesquisa também aponta as habilidades técnicas e comportamentais que os CFOs acreditam que serão determinantes para o cargo no futuro. Dentre as skills técnicas, o planejamento estratégico (51%), gestão de riscos (45%) e tesouraria estratégica (36%) foram apontadas como principais competências. Entre as skills comportamentais, adaptar-se às mudanças foi a característica preponderante para 67% dos entrevistados.

Caldeira chama a atenção também para a ausência de habilidades ligadas à automação de processos, grande tendência na área de administração financeira. “Os CFOs parecem adaptados a essa mudança, mas continuam a contratar pessoas que não têm esse perfil”, explica.

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Vilas Boas destaca ainda que o grande desafio para o CFO é conseguir entender dos negócios com a mesma profundidade que entende de gestão de caixa. “Esse interesse genuíno nos negócios é fundamental para que o diretor financeiro consiga ampliar seu impacto e geração de valor. Hoje em dia aquele perfil de CFO que ficava dentro da sala olhando números e planilhas não é mais suficiente.”

Felipe Bruniei, sócio fundador da Assetz, também ressalta as principais habilidades que os CFOs acreditam que já dominam versus as habilidades que eles exigem como critério para contratar colaboradores. A ‘adaptação às mudanças’ aparece novamente como principal característica desses executivos (48%), seguido de ‘construção de equipes eficientes (31%) e cultivo de ambientes de alta performance (27%).

Estas são exatamente as mesmas três principais habilidades exigidas pelos executivos para a contratação de funcionários para a equipe financeira. “Isso mostra que o CFO tende a contratar pessoas parecidas com ele, o que impacta a diversidade de pensamentos”, afirma Brunieri.

Já para Vilas Boas, a mais importante das habilidades para a contratação de um novo funcionário é a capacidade de aprender. "Tudo que ele (o candidato) tem de conhecimento até hoje é importante, mas não será suficiente. Então busco pessoas que aprendam rápido, pois vivemos em um cenário de mudanças constantes."

 

 

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