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Conta Black prepara lançamento de cartões e sonha com IPO

A fundadora Fernanda Ribeiro fala das ambições da empresa e de sua postura como mulher negra no mercado

Conta Black prepara lançamento de cartões e sonha com IPO
Fernanda Ribeiro, cofundadora da Conta Black. Foto: Larissa Isis
  • Ela enveredou pelo mercado financeiro a partir de um burnout. Junto ao sócio Sérgio All, fundou a Conta Black, hub de serviços financeiros com cerca de 33 mil “membros” - como preferem chamar os clientes
  • O sonho, além de se tornar um banco da população preta, é ser a primeira empresa financeira liderada por pessoas pretas a fazer um IPO (abrir capital na Bolsa)
  • A Conta Black também prepara o lançamento de três novos cartões, além de abrir ferramentas de crédito, hoje reservadas a grupos fechados, para todos os clientes

Fernanda Ribeiro, cofundadora do hub de serviços financeiros Conta Black, trabalhava no setor de comunicação de uma empresa de aviação até fevereiro de 2015. Após um episódio de burnout (síndrome do esgotamento profissional), ela se preparou financeiramente para tirar um ano sabático e reencontrar seu propósito de vida. E entendeu após a crise que nem tudo era “dinheiro”.

“Ser uma mulher preta ascendendo dentro de uma corporação nos cobra um preço, que às vezes é a nossa saúde. O processo de ocupar esses espaços, que nem sempre são inclusivos, é extremamente violento”, afirma Ribeiro.

Contudo, foi a partir desse momento que a turismóloga de formação começou, de fato, a trabalhar com capital. Ela e seu marido e principal sócio, Sérgio All, decidiram tirar do papel um plano antigo e ambicioso: ter um banco para chamar de seu, criado por e para pessoas pretas.

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A ideia havia surgido após All, que já era empresário do ramo de publicidade no final dos anos 1990, ter um pedido de crédito negado sem motivo aparente em uma instituição financeira. Depois de passar pelo  burnout, ela também se engajou para colocar em prática a ideia do banco.

“Hoje, para criar um banco, estamos falando de algo em torno de R$ 45 milhões somente para investimentos em lastro. Então, utilizamos a criatividade”, afirma Ribeiro. “Sem dúvida, a regulamentação recente de fintechs nos foi muito favorável para tirarmos o plano do papel e executarmos com o que nós tínhamos. Começamos como uma empresa de meio de pagamentos.”

Ribeiro e All venderam bens e, por trás da tecnologia de um cartão pré-pago, passaram a oferecer uma experiência de conta digital. Lançada em 2017, a fintech possui hoje 33 mil membros e conta com serviços financeiros básicos, além de opções de investimento com aplicações iniciais de R$ 10. O objetivo é alcançar 100 mil contas até o fim de 2023.

A Conta Black também deve disponibilizar ferramentas de crédito a todos os membros (como chamam os clientes da instituição) a partir do 2º semestre deste ano. Paralelamente, a empresa de Ribeiro prepara o lançamento de três novos cartões. O primeiro é o “Black Power Card”, que deve ser disponibilizado em abril. Um segundo produto deve ser o “Blue Card”, voltado para pessoas jurídicas. Um terceiro cartão, cujo nome não foi revelado, deve sair na segunda metade do ano.

As informações foram divulgadas durante evento promovido pela Conta Black para lançamento do documentário “Sou Blck.”, no dia 9 de março. A produção conta a história de empreendedores que são clientes da hub e a relação deles com o dinheiro e educação financeira. Em meio às novidades, o “sonho grande” de Ribeiro, que planeja se aposentar aos 45 anos, mudou.

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“Além de ser um banco, nós queremos ser a primeira empresa financeira liderada por pessoas pretas a fazer um IPO (Oferta Pública Inicial na Bolsa de Valores)”, afirma a executiva.

Leia a entrevista na íntegra.

E-Investidor – O que diferencia a Conta Black de uma conta digital comum?

Ribeiro – Há alguns diferenciais, entre eles o nosso olhar, que passa pela construção da experiência, o tipo de produto que oferecemos e o que queremos entregar como impacto. A Conta Black nasceu ESG (sigla para boas práticas ambientais, sociais e de governança), com um “S” muito forte, porque entre ganhar e dinheiro e transformar o mundo, a gente escolhe sempre os dois.

A maior parte da nossa base de clientes é de pessoas negras e a forma como elas se relacionam com o dinheiro é totalmente diferente. Por trás disso, há aspectos sociais, comportamentais e emocionais, que fazem com que essa relação com o capital seja distinta. Nós utilizamos esse trunfo para a confecção de produtos.

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Lançamos recentemente uma nova versão do aplicativo com uma seção de investimentos, que começam a partir de R$ 10 (em renda variável, fixa, fundos de investimentos e previdência). Além de democratizar, consigo enxergar diversas realidades de clientes, que têm suas especificidades atendidas.

Mas como esse olhar se aplica, por exemplo, à análise de crédito?

Ribeiro – A nossa seção de empréstimos está aberta para grupos pequenos, não está disponível para todos os clientes. No segundo semestre, vamos abrir as ferramentas de crédito para a base inteira.

Quando começamos a pensar na nossa ferramenta de crédito, sabíamos que era importante olhar por uma lupa diferente. Atualmente, os birôs tradicionais (como o Serasa) levam em consideração a vida financeira pregressa para fazer a concessão de crédito. E desde o primeiro desenho de modelo de crédito, já sabíamos que seria necessário analisar a vida atual e futura. Na maioria das vezes, quando essa pessoa preta tem acesso a crédito, esse crédito não é pra uso pessoal somente, é compartilhado dentro da família.

Fizemos grupos focais de pesquisa e era recorrente entre os clientes pretos situações como ter um cartão de crédito da empresa que era usado também para a família. Ou ter um cartão de crédito de pessoa física que era usado pela família inteira. É importante entender o impacto daquele crédito.

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Teremos também uma opção de crédito que é de antecipação de recebível, também por uma lente de raça e gênero. Ou seja, pensamos na forma que esse empreendedor ou empreendedora utiliza o dinheiro para o negócio.

Uma das principais questões em torno das fintechs, até as maiores, como o Nubank, é a lucratividade. Com menos taxas, as dúvidas sobre rentabilidade são sempre levantadas. A Conta Black é lucrativa?

Ribeiro – Vou me aposentar aos 45 anos, então tem que ser. Vemos um crescimento recente das fintechs e sempre pensamos nele de uma maneira sustentável. Muitas vezes questionam por que temos essa quantidade de membros (33 mil, uma base menor frente a outros players do mercado). É exatamente porque sempre pensamos como amarraríamos as duas pontas de lucratividade e impacto social.

Não adianta eu sentar em uma rodada de investimentos, trazer rios de dinheiro, aumentar a base de maneira significativa, mas a maior parte dessa base ser “morta”. Hoje, se olharmos a maioria das fintechs, há uma discrepância grande entre base ativa e base total de clientes. Para nós isso nunca teve sentido, ter uma base gigantesca apenas para queimar dinheiro. Desde o início pensamos o negócio de maneira sustentável.

Fechamos uma captação no início deste ano e a finalidade dela é permitir o crescimento faseado, com produtos sustentáveis financeiramente e com impacto social. Obviamente, quando falamos de uma empresa do setor financeiro, crédito é o que gera mais lucro, e por isso que somos tão cautelosos para desenhar os produtos de crédito de uma forma em que todos saiam ganhando.

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Qual a expectativa de crescimento da Conta Black?

Ribeiro – A nossa grande meta até o fim do ano é ter 100 mil contas abertas. Não é uma meta audaciosa, porque há planejamento por trás disso. Por muito tempo seguramos o nosso crescimento. Primeiro por conta da pandemia, pois queríamos entender como todo esse processo respingava na vida financeira dos nossos membros. Com o fim do período pandêmico e novo governo começamos a soltar o freio de mão.

Apesar de ser uma executiva do setor financeiro, você veio do setor de turismo e fez transição de carreira após um burnout. Como criar uma hub de serviços financeiros do zero vindo de um ramo totalmente diferente?

Ribeiro – A primeira coisa é enxergar o sonho grande. O nosso era ter um banco liderado por pessoas pretas, para pessoas pretas. Para o “como”, nós usamos muita criatividade. Para atingir esse sonho grande seria exigido um investimento financeiro muito alto. Hoje, para ter um banco, estamos falando de algo em torno de R$ 45 milhões somente para investimentos em lastro e regulamentação.

Então utilizamos a criatividade. Sem dúvida, a regulamentação recente de fintechs nos foi muito favorável para tirarmos o plano do papel e executarmos com o que nós tínhamos. Conseguimos abrir uma instituição que atua no mercado financeiro, mas com custo menor. Vendemos bens, fizemos uma vaquinha. Nosso primeiro aporte foi com esses recursos.

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O segundo passo foi empreender mesmo, trocar a roda com o carro andando. E mudou muita coisa. Começamos como uma empresa de meios de pagamento. Nós usávamos tecnologia por trás de um cartão pré-pago e conseguimos oferecer uma experiência de conta digital, de uma forma muito criativa. Fomos nos apropriando das tecnologias e regulamentações existentes para otimizar nossa oferta e chegarmos mais próximo do sonho grande, que agora é outro. Além de ser um banco, nós queremos ser a primeira empresa financeira liderada por pessoas pretas a fazer um IPO.

Qual é a sua experiência sendo uma mulher negra e executiva na área de finanças em um mercado dominado por homens brancos?

Ribeiro – Entre muitas aspas, eu sou um corpo estranho dentro desse mercado. Os principais players e os tomadores de decisões dentro do mercado tem um perfil totalmente diferente do meu. Estamos falando de homens brancos e mais velhos, e eu sou o estereótipo do contrário – uma mulher negra, retinta e com aparência jovem.

Então há inúmeras situações que me fazem sentir um corpo estranho. Por isso o fato de eu ocupar esses espaços sozinha não é importante: eu quero abrir portas para outras pessoas pretas e que elas ocupem esses espaços.

Quando eu desfilo pela Faria Lima, todo mundo fica se perguntando quem eu sou e o que eu estou fazendo. Quero que cada vez mais pessoas pretas ocupem esses espaços e mostrem que é possível.

A Conta Black em parceria com a BlackSwan, que é uma iniciativa de mulheres pretas no mercado, promove a cada 6 meses a Black Hour – um encontro de pessoas pretas no mercado financeiro. Ocupamos espaços tidos como “brancos”, exatamente para fazer trocas, gerar oportunidades de trabalho, conexão entre empresas.

Provamos que existem pessoas pretas no mercado financeiro e que são atuantes. Eu encontro desafios diários de descredibilização, de ter a minha capacidade e conhecimento postos em xeque. Mas tento reverter tudo isso e trazer mais pessoas pretas para esses lugares.

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