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Comportamento

As corridas são virtuais, e os anúncios também. Mas o dinheiro é real

Com os circuitos vazios por conta da pandemia, o automobilismo digital chegou à TV aberta e atraiu a atenção (e os dólares) de marcas e patrocinadores

As corridas são virtuais, e os anúncios também. Mas o dinheiro é real
Jarno Opmeer, piloto de F1 E-Sports (Foto: John Sibley/Reuters)
O que este conteúdo fez por você?
  • A pandemia levou circuitos automobilísticos de todo o mundo a fechar as portas no início do ano passado
  • A estiagem financeira colocou escuderias, pistas e campeonatos diante do perigo de extinção
  • Neste contexto, surgiu o automobilismo virtual, games de corridas simuladas altamente realistas

(Roy Furchgott/The New York Times) – Para que um carro de corridas ande em alta velocidade, é preciso mais do que gasolina: é preciso dinheiro. E, para ter dinheiro, é preciso patrocinadores. Para ter patrocinadores, é preciso ter espectadores – que os patrocinadores esperam transformar em consumidores. Essa cadeia impôs um grande problema para o automobilismo quando a pandemia levou circuitos de todo o mundo a fechar as portas no início do ano passado. A estiagem financeira colocou escuderias, pistas e campeonatos diante do perigo de extinção.

Foi assim que o setor se voltou para um fenômeno emergente: o automobilismo virtual – ou “sim racing”, para os entendidos. Nesses games de corridas simuladas (daí o apelido em inglês) altamente realistas, os carros obedecem as leis da física e competem numa situação que reproduz circuitos existentes com uma precisão que chega às rachaduras no asfalto.

As emissoras NBC e Fox fizeram uma experiência: substituíram em sua programação as corridas canceladas por “sim races”. Ninguém sabia se as provas virtuais atrairiam audiência e despertariam o interessantes dos anunciantes. Os verdadeiros carros de corrida sempre foram “outdoors velozes”, que induziam consumidores a exigir o óleo lubrificante usado pelo veículo vencedor. Mas quem poderia garantir que uma corrida simulada poderia ajudar a vender óleo lubrificante, considerando que os carros não têm motor, nem engrenagens, nem óleo nem nada?

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Dez meses depois do início da experiência, o automobilismo virtual parece estar recompensando a aposta: graças ao público que assiste pela televisão ou pela internet, a temporada 2020 foi salva. Agora, as corridas digitais oferecem às escuderias uma nova fonte de receita, dão a patrocinadores um tipo de marketing mais mensurável e atraem o interesse de um público jovem, que o automobilismo tradicional sempre penou para conquistar. Em breve as “sim races” vão encarar o verdadeiro teste: conseguirão manter a audiência quando os carros reais voltarem às pistas concretas, com gente de carne e osso nas arquibancadas?

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Videogames de corrida não são novidade. Em 1977 já era possível jogar Indy 500 e Street Racer num Atari. Nos anos 1990 surgiram games mais sofisticados de Fórmula 1, embora o visual ainda fosse meio quadradão. As gerações seguintes de consoles, como Xbox, PlayStation e Nintendo, apresentaram ao mundo um refinamento gráfico nunca visto. Hoje em dia, quem olha de relance talvez nem repare que a corrida é simulada.

Existem também games complexos para computadores de mesa, jogados em rede – caso da iRacing, plataforma de escolha de diversas organizações automobilísticas como NASCAR, IMSA, IndyCar e W Series. Já a Fórmula 1 escolheu seu próprio jogo comercial, feito pela Codemasters.

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Muitos pilotos profissionais usaram esses games em casa, para treinar. A reprodução fiel das pistas permitiu, no mínimo, que eles decorassem o desenho dos circuitos. Algumas equipes usam softwares especiais de simulação para fazer a sintonia fina dos carros reais antes de uma prova.

As “sim races” são de tal modo capazes de aprimorar as habilidades dos jogadores que um deles, William Byron, avançou dos consoles para as máquinas de verdade. Piloto da NASCAR Cup Series, Byron agora é dono de uma escuderia na eNASCAR que ganhou um prêmio de US$ 100 mil em 2020 no campeonato virtual Coca-Cola iRacing Series.

Há anos os pilotos profissionais participam, anônimos, das competições online. Para a torcida, isso equivale a assistir uma partida improvisada de basquete na rua e descobrir que LeBron James está entre os jogadores.

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Games de corrida são boas oportunidades para montadoras

Já as montadoras enxergam o valor dos games para suas marcas. A Chevrolet, por exemplo, ganhou espaço na imprensa quando seu Corvette C8.R simulado entrou para a série IMSA da iRacing em setembro passado. À semelhança de outros fabricantes, como Mazda e McLaren, a Chevy licencia seus modelos para dezenas de games, incluindo Forza, Project CARS e Gran Turismo Sport.

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É claro que os gamers podem não ser o principal público-alvo para um Corvette que custa US$ 60 mil, reconhece Kevin Kelly, porta-voz da Chevrolet. “Mas eles podem se tornar fiéis à marca”.

Até cerca de três anos atrás o automobilismo virtual era um assunto secundário. Foi mais ou menos nessa época que tecnologia, redes sociais e corridas reais começaram a convergir. É o que conta Bryan Cook, contratado pela Joe Gibbs Racing (JGR para os íntimos) para supervisionar as mídias digitais da escuderia. Há quatro anos ele decidiu entrar na iRacing, a princípio com um campeonato particular no qual os pilotos profissionais da JGR enfrentavam jovens comuns.

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Um ano antes da pandemia a iRacing se tornou um elemento oficial do programa de marketing da JGR, dando aos patrocinadores acesso a um público mais contemporâneo e a dados das redes sociais – mediante pagamento, é claro.

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“Já chegamos ao ponto em que os pilotos também são remunerados”, continua Cook. “Precisamos de equipamentos, e há uma necessidade de cobrir custos”. As “sim races” decolaram para valer no dia 22 de março de 2020: nessa data, corridas da eNASCAR e da Fórmula 1 virtual foram exibidas na televisão no lugar de provas presenciais que haviam sido canceladas. A transmissão da eNASCAR atraiu 910 mil espectadores – menos do que os três milhões que costumam assistir ao campeonato real, mas mais do que os 400 mil registrados até então para corridas virtuais comuns.

“Percebemos que isso poderia de fato substituir as provas da NASCAR”, afirma Brad Zager, diretor de produção e operações da Fox Sports. No caso da Fórmula 1, a primeira corrida simulada a substituir na programação uma prova real foi o Grande Prêmio Virtual do Bahrein. Somando a transmissão pela internet e pela televisão, foram quatro milhões de espectadores – menos do que a média de 34 milhões das corridas presenciais, mas bem acima da média de 1,8 milhões das corridas digitais profissionais.

Para Julian Tan, diretor de negócios digitais e esportes eletrônicos (ou eSports) da Fórmula 1, 2020 “deu à F1 virtual um novo grau de exposição. Quando voltamos às corridas reais, no GP da Áustria, os números de participação do público pelos canais digitais foram mais altos do que nunca”. Tan prossegue: “até nosso conteúdo de eSports sobre o campeonato virtual oficial do ano passado bateu recordes”.

Embora seja uma forma de validar as “sim races”, a transmissão pela TV aberta nos Estados Unidos é apenas um pedaço do alcance das corridas digitais. Segundo Anthony Gardner, presidente da iRacing.com Motorsport Simulations, as exibições ao vivo podem atingir 400 mil pessoas no YouTube, Facebook e Twitch. Interações online, como tweets, curtidas e comentários durante as corridas, são ainda mais valiosas.

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“O alcance das redes sociais numa determinada corrida chega à casa dos milhões”, diz Gardner. Esse tipo de interação produz dados e oportunidades de falar diretamente com os consumidores. Sendo assim, de uma hora para outra o público do automobilismo virtual ganhou dimensões suficientes para exigir atenção – embora o fenômeno seja tão novo que às vezes o pessoal de marketing não sabe como se beneficiar dele. Diferentes patrocinadores escolheram diferentes estratégias, mas todos saíram em busca de um público jovem e arredio. A base de fãs da NASCAR está em queda desde 2005, num reflexo do envelhecimento dos torcedores. Já as “sim races” atraem espectadores mais novos e com um perfil racial mais diverso, interessantes tanto para as marcas quanto para os campeonatos.

“É muito difícil atingir essa faixa dos 18 aos 35 anos”, explica Patrick Daugherty, gerente de patrocínios da Valvoline. “Mas os games atraem os jovens da geração faça-você-mesmo”.

Antes do início da pandemia, a Valvoline tinha assinado um contrato com Parker Kligerman, piloto famoso que corre pela eNASCAR. “A audiência e a participação do público superaram nossas expectativas”, assegura Daugherty. “Tivemos sorte, e agora em 2021 vamos renovar com esses caras”.

Embora seja a marca de churrasqueiras oficial da NASCAR real, a Pit Boss Grills nunca teve bala na agulha para patrocinar também um piloto de primeira linha – negócio que, segundo estimativas, exige um cheque de US$ 35 milhões. Mas isso mudou com a eNASCAR.

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“Finalmente conseguimos patrocinar um corredor do topo da lista”, conta Carlos Padilla, diretor de parcerias da Pit Boss. “Com isso, nosso nome apareceu num carro – acho que podemos chamar assim – numa transmissão ao vivo em TV aberta, por um preço viável para uma empresa do nosso tamanho”.

Padilla afirma que o patrocínio custa quatro dígitos por prova e é visto por um milhão de espectadores. Uma pechincha.

Ainda vai levar um tempo para saber se os fãs das “sim races” serão também fanáticos pelas corridas reais, e vice-versa. Mas a FOX já agendou cinco corridas simuladas para seu canal FS1 em 2021.

“A iRacing oferece inúmeras possibilidades”, diz Zager, da emissora. Ele dá um exemplo: num fim de semana, é possível transmitir uma prova em pista de terra; no outro, uma corrida no circuito de Daytona. “No início da pandemia os esportes eletrônicos viraram uma febre”, acrescenta ele. “Mas a iRacing largou na frente, e agora ninguém segura”.

(Tradução: Beatriz Velloso)

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