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Comportamento

“Meu pai roubou minha conta bancária”: as vítimas de abuso financeiro dentro de casa

Casos de filhos que foram "explorados financeiramente" pelos progenitores tomaram as redes sociais

“Meu pai roubou minha conta bancária”: as vítimas de abuso financeiro dentro de casa
Nem sempre a exploração financeira acontece contra idosos e pessoas em vulnerabilidade. Foto: Envato Elements
  • O embate entre Larissa Manoela e os pais, Silvana Taques e Gilberto Elias, chocou o público na última semana
  • A atriz acusa os progenitores de ocultarem informações financeiras e restringirem o acesso dela ao próprio dinheiro
  • A partir do relato da artista, uma avalanche de histórias de abusos financeiros de pais contra filhos adultos e capazes começaram a surgir nas redes sociais. Leia alguns

O embate entre Larissa Manoela e os pais, Silvana Taques e Gilberto Elias, chocou o público na última semana. A atriz acusa os progenitores de ocultarem informações financeiras e restringirem o acesso dela ao próprio dinheiro. A partir do relato da artista, uma avalanche de histórias de abusos financeiros de pais contra filhos — adultos e capazes — começaram a surgir nas redes sociais, contrariando o senso comum de que este tipo de ação só ocorre contra idosos ou pessoas em situação de vulnerabilidade.

A maquiadora Laís Oliveira (nome fictício), por exemplo, viveu uma situação complexa com a mãe. Em 2012, a jovem e as duas irmãs passaram a receber uma pensão pelo falecimento do pai, cujo valor era de R$ 1,3 mil por mês. “A ‘mainha’ nunca nos deixou por dentro do que acontecia ou de quanto era o valor da pensão, mas sempre dizia que depositava os valores em uma poupança. Ela sempre foi muito apertada em relação a dinheiro porque fazia dívida atrás de dívida”, afirma.

Quando a irmã mais velha de Oliveira completou 18 anos logo foi “endividada” pela mãe. “Ela fez um cartão de loja no nome da minha irmã e realizou compras. Acontece que minha irmã não tinha um trabalho na época e a única pessoa que realmente poderia pagar essa dívida era a nossa mãe”, diz. O nome da irmã ficou sujo no ano de 2020.

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No ano passado, foi a vez de Oliveira completar 18 anos. Mais uma vez, a mãe tentou parcelar débitos no CPF da filha. “Não permiti que ela fizesse qualquer cartão no meu nome. Vi que poderia acontecer o mesmo que aconteceu com a minha irmã”, diz a maquiadora.

Paralelamente, a jovem descobriu que a mãe não havia depositado os valores da pensão por morte na poupança, conforme havia combinado. Após mais de dez anos do falecimento do pai, a conta só tinha R$ 967,12 em janeiro deste ano. Deste valor, a progenitora pediu emprestado R$ 800. “Ela prometeu que me pagaria de volta, mas até hoje isso não aconteceu”, diz a jovem.

Apesar de estar magoada, Oliveira segue fazendo o que pode para auxiliar financeiramente a mãe. “Como filha, me vejo na obrigação de ajudá-la”, afirma.

Abuso financeiro (e psicológico)

Ana Paula Hornos, psicóloga clínica e educadora financeira, já atendeu vários casos do chamado “abuso financeiro” – quando um familiar possui uma disfunção financeira e acaba endividando parentes ou pessoas próximas.

“São pais que endividam filhos e vice-versa, marido que endividou a esposa, irmão que endividou outro irmão etc”, afirma Hornos. A especialista explica que as condutas, nessas situações, costumam seguir o chamado “ciclo do abuso emocional”. Isto é, o abusador manipula a vítima para que esta atenda aos seus interesses e, conforme a situação vai avançando, pode chegar até mesmo à violência física.

Quando a vítima percebe a conjuntura negativa e tenta se desvencilhar, a manipulação volta ao jogo. Na outra ponta, a pessoa abusada financeiramente se sente culpada por não “ajudar” aquele parente. “É uma dependência emocional, a vítima acha que precisa fazer muito mais para merecer o amor do abusador e faz além do que deveria”, diz Hornos.

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É justamente por meio do apelo ao emocional que o pai da empreendedora Bianca Cândido (nome fictício) tenta conseguir fazer com que ela empreste dinheiro para ele. Hoje com 30 anos, ela conta que desde o início da adolescência convivia com a insistência do pai para que abrisse uma conta e fizesse transações para ele.

“O meu pai sempre teve o nome sujo, a ponto de perder o apartamento que a gente morava”, afirma Cândido. Quando finalmente ela abriu a tão desejada conta, não faltaram pedidos do patriarca para que a filha emitisse cheques. A situação escalou a ponto de a empreendedora ter a conta ‘roubada”.

Em meados de 2017, ela mantinha uma conta estudantil, transferida sem seu consentimento para a cidade em que o pai dela morava. “Ele era amigo do gerente do banco e simplesmente solicitou que a minha conta fosse transferida”, diz. “Ele teve acesso a todos os meus dados.”

Hoje, o pai da empreendedora continua com as finanças em desordem. “Ele tem diabetes, então muitas vezes ele me liga falando que está na frente do pronto-socorro, passando mal, e que não querem atender ele. Fala para transferir dinheiro, e eu transfiro na maior parte das vezes, mesmo sabendo que ele nunca vai me devolver’, relata Cândido.

As consequências psicológicas que este tipo de relação causa podem ter repercussões durante toda a vida. Só depois que se afastou geograficamente dos pais, que o funcionário público Renato Lacerda (nome fictício), de 50 anos, se sentiu “livre”. Hoje ele mora em Recife (PE) e os pais continuam na cidade natal, Belo Horizonte (MG).

Nos anos de 1990, com 18 anos, ele trabalhava como office boy em um banco. Abriu uma conta e logo os pais começaram a insistir para que ele contratasse um empréstimo. Lacerda fez isso e ficou com a dívida toda para pagar. Depois, foi ele que pediu ajuda aos pais em meio a uma crise financeira. A mãe então lhe deu um cheque, que foi depositado pelo funcionário público.

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“Não passou 1 semana e ela começou a me incomodar para que eu devolvesse o dinheiro. No final, o cheque foi recusado e descobri que era sem fundo. Iria devolver a ela uma quantia que nem ela tinha”, diz Lacerda. “São coisas pequenas, mas, que juntas, machucam. Sofri muito abuso psicológico.”

Hornos explica que, muitas vezes, para sair do ciclo de abuso é necessário ajuda psicológica. “Buscar terapia, autoconhecimento, para ter clareza do ciclo que está se estabelecendo. A pessoa que é vítima se vê em uma situação muito fragilizada, de culpa, achando que ela é responsável por ajudar financeiramente o outro”, diz.

Valéria Meirelles, Psicóloga do Dinheiro, afirma que é preciso também uma rede de apoio robusta. “Fica uma situação muito complexa de filhos contra pais e vice-versa, e o critério de justiça não fica claro nessa relação. A pessoa precisa estar bem aparada, seja por amigos e juridicamente”, diz.

Como ajudar um parente com dívidas

Ajudar financeiramente um parente próximo é algo válido e um gesto nobre, mas exige responsabilidade e um estabelecimento de condições e limites.

Hornos recomenda que o valor desse auxílio financeiro a parentes e amigos seja limitado a 10% do orçamento mensal pessoal e que seja sempre uma “doação”, não um “empréstimo”. “E essa ajuda precisa ser incondicional, sem esperar nada em troca. Quando se estabelece relação de troca nessa ajuda, acontece a questão de dependência e codependência”, diz. Outros 70% do orçamento devem ser usados para gastos próprios e 20% devem ser poupados.

Carol Stange, educadora em finanças pessoais, também explica que o empréstimo deve ser a última opção. Antes disso, ofereça outros tipos de ajuda ao familiar, como orientação financeira ou ajuda para conseguir renda extra. Contudo, se for realmente necessário emprestar dinheiro, que as regras sejam claras.

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“Formalize um acordo por escrito, especificando termos e prazos para evitar mal-entendidos futuros”, diz Stange. “Antes de concordar, é essencial avaliar a confiança e a capacidade de pagamento do solicitante, além de entender completamente as implicações legais e financeiras.”

E em todas as situações, a principal recomendação é: nunca empreste seu nome a ninguém. “Se for para emprestar algo, empreste o dinheiro ou faça uma transferência, mas evite disponibilizar seu nome ou seu cartão, pois futuramente, caso a pessoa não consiga fazer os pagamentos devidos, o seu nome pode ficar sujo”, alerta Fabio Louzada, economista, analista de investimentos e fundador da Eu me banco.

Junto com o nome sujo, vem uma série de empecilhos financeiros sérios. Por exemplo, o acesso limitado a crédito, que pode dificultar o financiamento de um apartamento ou veículo e atrasar os planos familiares. “Cuide da sua saúde financeira”, ressalta Louzada. “É válido ajudar financeiramente familiares e amigos desde que haja certos limites e combinados entre as partes.”

Na lei

O Estatuto do Idoso e o Estatuto da Criança e do Adolescente protegem estes indivíduos contra qualquer tipo de abuso ou exploração, inclusive de ordem financeira. Já para pessoas adultas e capazes, como é o caso de filhos adultos que acabam sendo explorados pelos pais e vice-versa, os embates podem ser resolvidos na área civil e até criminal.

“Se o jovem quiser anular um contrato bancário, alegando que alguém abusou da confiança dele para contrair empréstimos, ele pode entrar com ação contra o banco e com uma ação indenizatória contra os pais”, afirma Daniel Blanck, advogado civilista.

Dependendo da característica dessa exploração financeira, a conduta pode ser enquadrada como estelionato – e acabar na seara criminal. “A reparação civil nunca vai prender o acusado e, sim, para ter indenização, anular um contrato etc. Já em uma ação penal, por estelionato, o interessado deve fazer uma representação na delegacia e o autor da ação é o Ministério Público”, diz Blanck.

Leonardo Marcondes, advogado especialista em direito de família, afirma que a Lei Maria da Penha detalha a violência financeira como uma das formas de violência doméstica contra a mulher, que pode ser aplicada em casos de exploração financeira dentro de relacionamentos familiares.

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“As evidências que podem ajudar a comprovar a abuso são documentos financeiros, extratos bancários, recibos e notas fiscais, registros de comunicações por mensagem ou telefone, que mostrem que os valores foram desviados e que a vítima não consentiu com aquela situação”, diz Marcondes. “Testemunhas também são importantes para comprovar a situação.”

 

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