- Ano foi complexo para a renda variável. Altas de juros no Brasil e no exterior, lockdowns na China e aumento do risco fiscal deram o tom para o Ibovespa
- “A renda variável foi o grande lamento do investidor no ano. Muitas quedas e perdas foram constatadas”, afirma Fabiano Braun, CEA e sócio da Matriz Capital
- A recomendação para 2023 é apostar em companhias sólidas, não tão expostas aos ciclos econômicos
O último pregão do Ibovespa em 2022 aconteceu nesta quinta-feira (29). O índice de ações fechou o dia em baixa de 0,46%, aos 109.734.60 pontos. Com isso, acumula uma valorização de 4,69% de janeiro a dezembro – abaixo da inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 5,9% até novembro e da Poupança, que acumula retorno de 7,9%. Esses números marcam o fim de um ano repleto de excepcionalidades e frustrações no mercado.
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“A renda variável foi o grande lamento do investidor no ano. Muitas quedas e perdas foram constatadas”, afirma Fabiano Braun, CEA e sócio da Matriz Capital.
Nos últimos 12 meses, quem investiu na carteira do Ibovespa perdeu em rentabilidade até mesmo para a poupança (veja aqui o levantamento com os melhores e piores investimentos de 2022). O resultado menos atraente do indicador é derivado de muitas inversões de cenário.
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Durante o primeiro trimestre, o IBOV se descolou do exterior e decolou 14%. Nem mesmo o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, no dia 20 de fevereiro, conseguiu abalar a trajetória da bolsa brasileira. O entendimento na época era de que o Brasil, de certa forma, se beneficiava da situação.
Com o mercado russo “fora de cogitação”, o fluxo de investimento estrangeiro aumentou na B3. Somente entre janeiro e março, os gringos deixaram R$ 69 bilhões por aqui. O conflito bélico também fez subir os preços das commodities, situação que empurrou para cima os papéis ligados ao setor, como Vale (VALE3).
Veja nesta reportagem as 5 ações de maior rentabilidade em 2022.
Outros fatores globais também alimentavam a tese discutida no primeiro trimestre, de que o mercado brasileiro seria o destino natural dos dólares em 2022.
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Enquanto lá fora os bancos centrais, como o americano Federal Reserve (Fed), começavam a subida de juros para conter a inflação recorde, por aqui, o BC já havia feito boa parte da elevação da Selic em 2021 e o dragão da inflação já não cuspia fogo. No ano passado, o BC subiu a taxa de 2% para 9,25%. Neste ano, elevou em um ritmo menos acelerado, para 13,75%
“Além disso, a guerra expôs a forte dependência de energia da Europa perante a Rússia”, afirma Braun. A crise energética na Europa, com a suspensão do gás natural russo, deu ainda mais combustível para a inflação na região. Pela primeira vez em quase 20 anos, o euro perdeu a paridade com o dólar por alguns momentos. Começava-se a precificar uma possível recessão global, enquanto a B3 andava na contramão.
Veja ainda: Dólar acumula queda de 5,31% em 2022.
Balde de água fria
A aparente imunidade do Ibovespa às crises externas começou a cair por terra a partir de abril. O indicador cedeu 10% no quarto mês do ano, principalmente em função da paralisação das atividades na China. O país adotou uma política de “covid zero”, que incluía a imposição de lockdowns rigorosos para conter surtos da doença.
O temor dos investidores era de que a gigante asiática enfrentasse uma desaceleração econômica por conta dos fechamentos e isso afetasse a demanda chinesa por commodities. Na esteira da crise, os papéis da Vale, que tem a China como principal importadora de minério, desabaram 12,87% no mês.
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Toda essa conjuntura pressionou o Ibov, já que os ativos da mineradora têm peso de 14% no índice. “Os riscos de lockdowns na China fizeram bastante preço”, relembra Leandro Petrokas, Diretor de Research e sócio da Quantzed, casa de análise e empresa de tecnologia e educação para investidores.
As dúvidas relacionadas a continuidade dos lockdowns persistiram ao longo dos meses. No pior período, entre abril e agosto, os papéis VALE3 chegaram a desabar 29%. “No entanto, agora no fim do ano, houve o relaxamento dessa política e espera-se que a China acelere novamente a sua produção”, diz Braun, da Matriz Capital.
Confira as ações que mais desvalorizaram em 2022 nessa reportagem.
Após a derrocada em abril, as ações VALE3 conseguiram se recuperar e sobem 24,46% no acumulado de 2022, em linha com as expectativas de flexibilização dos lockdowns chineses.
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Paralelamente, o temor relacionado à possibilidade de recessão global devido ao aperto monetário nas principais economias começou a adicionar volatilidade ao Ibovespa. O ápice das preocupações em torno de subida dos juros e inflação internacionais ocorreu em junho, quando o Ibov registrou uma queda de 11,5%. No cenário doméstico, os juros altos também levaram a uma corrida para a renda fixa.
“Além disso, teve a temporada de balanços (do 1° trimestre) que veio abaixo das expectativas de mercado para a maioria das companhias, mesmo se comparado a 2021, um ano que vinha de uma pandemia”, afirma Alex Carvalho, analista CNPI da CM Capital.
Carvalho aponta como o setor ligado aos ciclos econômicos, como aéreas e varejo, como as principais decepções do segundo e terceiro trimestres. “Foram os segmentos que mais sofreram na nossa bolsa”, diz o analista da CM.
Embriaguez eleitoral
Os ruídos de Brasília começaram a interferir no índice a partir de julho, com a aprovação da “PEC Kamikaze” de Jair Bolsonaro (PL) – proposta de emenda à Constituição que turbinava benefícios sociais às vésperas da eleição. Programas como o Auxílio Brasil, que estavam pagando R$ 400 aos beneficiários, passaram a pagar R$ 600.
A proposta também incluía um bolsa-caminhoneiro de R$ 1 mil, um bolsa-taxista de R$ 200 mensais, entre outras “bondades”. As alterações todas, com validade até o final de 2022, estouraram o teto de gastos (âncora fiscal do país) em R$ 41,25 bilhões. Ainda assim, os meses de julho a setembro foram de relativa tranquilidade e bolsa em alta, com surpresas de arrecadação e atividade econômica sustentando a positividade entre os investidores.
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O impacto mais forte das eleições estava reservada ao mês de outubro. O pregão após o primeiro turno da corrida eleitoral (3 de outubro) foi de alta de 5,54% para o Ibovespa, a maior do ano. O líder do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, saiu na frente com 48,43% dos votos totais, enquanto o atual presidente, Jair Bolsonaro, recebeu 43,20% dos votos.
O que agradou, entretanto, foi a eleição de um Congresso lido como mais direitista, que supostamente fará frente a uma possível agenda econômica de maior gasto público promovida por Lula. No final, o petista levou o pleito e se tornou o novo presidente do Brasil, e o Ibov terminou outubro em alta de 5,45%.
A alegria durou pouco. Durante todo o mês de novembro, que terminou com uma queda de 3,06% do Ibov, os investidores aguardavam as definições dos nomes para a nova equipe econômica, com esperança de indicações técnicas.
Contudo, as sinalizações do novo governo vinham no sentido contrário. Já havia boatos de que o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), assumiria o ministério da Fazenda. A informação acabou se confirmando no mês seguinte, junto com o anúncio do economista Aloizio Mercadante (PT) para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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E mesmo antes da definição da equipe econômica, as discussões em torno da “PEC da Transição” ou “PEC do Estouro” já estavam na mesa. A proposta inicialmente visava garantir uma licença de quase R$ 200 bilhões por quatro anos para gastar acima do teto de gastos com o novo Bolsa Família de R$ 600.
Depois da passagem pelo Senado e pela Câmara, a PEC foi desidratada. Agora, a âncora fiscal será ampliada em R$ 145 bilhões, por um ano, para viabilizar o pagamento do programa social.
“Durante a campanha, o tom era mais voltado para o centro. Pós segundo turno, o tom mais radical de esquerda fez com que o Ibovespa acumulasse perdas, puxadas principalmente por estatais”, diz Petrokas, da Quantzed.
Dezembro de baixa
De acordo com Einar Rivero, head comercial do TradeMap, este foi o primeiro dezembro de baixa do Ibovespa após três anos de alta neste mês. O índice cedeu 2,45% nos últimos 29 dias, na esteira do cenário político – mais detalhes nesta reportagem.
Certamente, 2022 foi o ano da renda fixa. Para a renda variável, o cenário foi mais complexo, com muitas das ações mais negociadas em Bolsa sofrendo com a conjuntura macro e externa desfavorável – mas sempre há como ganhar dinheiro com companhias que driblam as crises. Empresas como Petrobras (PETR4) e Prio (PRIO3) acumularam retornos de 45,31% e 80% no ano, por exemplo.
As perspectivas de aumento de gastos no ano que vem fizeram as expectativas para os juros e inflação se elevarem. No momento, há agentes que acreditam que, em vez de cortar a Selic em 2023, o Banco Central possa elevar a taxa básica.
A recomendação para o ano que vem é apostar em companhias sólidas, não tão expostas aos ciclos econômicos. “As que possivelmente irão performar bem serão novamente as commodities, bancos, seguradoras e elétricas. Na outra ponta, o setor de varejo, turismo e construção civil devem continuar sofrendo até haver um achatamento na curva de juros”, diz Braun, da Matriz Capital.
Apesar do ano difícil para a renda variável, quem pensa no longo prazo se beneficiou. “Pode ter sido um excelente ano para comprar ativos de grande valor e com preço muito abaixo das cotações de anos passados”, afirma o sócio da Matriz Capital.
Essa também é a visão de Petrokas, da Quantzed. “Agronegócio deve ir bem no ano que vem, principalmente nomes relacionados às commodities agrícolas. É o caso de Cosan, São Martinho, SLC Agrícola e BrasilAgro”, afirma.
Carvalho, da CM Capital, aponta que varejistas e aéreas devem continuar sofrendo enquanto não há sinalização de cortes nas taxas de juros.