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Comportamento

Por que a pandemia cravou uma revelação para a indústria da cannabis

As vendas de cannabis legal nos EUA ultrapassaram US$ 17,5 bilhões em 2020

Por que a pandemia cravou uma revelação para a indústria da cannabis
Funcionário fiscalizando mudas de cannabis (FOTO: Envato Elements-ckstockphoto)
  • Para muitos americanos, estocar maconha foi tão essencial quanto estocar papel higiênico. E o setor canábico encontrou uma maneira de abastecê-los com a erva
  • “Minha expectativa é que este será o primeiro ano que Nevada ultrapassará US$ 1 bilhão em vendas de cannabis”, afirmou Nicolas MacLean, diretor executivo da Aether Gardens, uma empresa produtora de cannabis de Las Vegas
  • Enquanto os negócios em Nevada sempre apostaram nos dólares do turismo, os cerca de 2 milhões de habitantes da região metropolitana de Las Vegas subitamente representaram uma forte base para a substituição da clientela

(Patricia Alfonso Tortolani/The New York Times) – “Minha expectativa é que este será o primeiro ano que Nevada ultrapassará US$ 1 bilhão em vendas de cannabis”, afirmou Nicolas MacLean, diretor executivo da Aether Gardens, uma empresa produtora de cannabis de Las Vegas. “E isso aconteceu graças a algo que, eu acho, ninguém esperava.”

Em março de 2020, as luzes da Las Vegas Strip se apagaram, no primeiro fechamento total dos estabelecimentos da via desde o assassinato de Martin Luther King Jr., em 1968. Nas semanas que se seguiram, Las Vegas se tornou o epicentro do desemprego nos Estados Unidos. Com os cassinos fechados, o volume de visitantes na cidade caiu para pouco mais de 100 mil em abril de 2020, de 3,5 milhões em janeiro daquele ano. A ausência dos turistas fez o movimento dos pequenos negócios do Estado de Nevada – incluindo no setor de cannabis – despencar.

“Naquela primeira semana, o governo não diferenciava entre comércios essenciais e não essenciais”, afirmou MacLean. “Os dispensários entraram em pânico, perguntavam se poderiam devolver produto.” (O uso recreativo de maconha e a venda da erva no varejo são permitidos em Nevada, apesar de somente dispensários licenciados estarem autorizados a comercializar o produto.) Dentro da Aether Gardens, cujas instalações ocupam mais de 11 mil metros quadrados de um terreno a 22,5 quilômetros da Strip, MacLean e sua equipe estavam maravilhados com sua mais recente colheita.

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“Tínhamos passado um ano inteiro aperfeiçoando nossas flores”, afirmou MacLean, “e acabamos com as melhores flores que já havíamos produzido, em meio à pandemia de covid.”

Naquela época, a empresa estava oferecendo flores de Dosi-Woah, uma cepa calmante, em que predomina a Cannabis indica, cujos florescimentos apresentam tons dourados, misturando verde e laranja claro. Oferecia também Zweet Insanity, uma variedade rica em terpenos, os compostos responsáveis pelos frequentemente poderosos odores das plantas, com florescimentos robustos e resinados, que proporcionam efeitos relaxantes. Ambas as cepas também entregam altos níveis do princípio psicoativo tetrahidrocanabinol (THC), que os turistas mais baladeiros buscam. Mas sem esses clientes na cidade, MacLean passou a ver a cannabis através de uma nova lente: como a erva poderia ajudar a tratar estresse e ansiedade relacionados à pandemia?

Aparentemente, bastante. Apesar das inconsistentes diretrizes de saúde pública de autoridades estaduais e locais a respeito de empresas canábicas serem ou não consideradas “essenciais”, o setor teve um momento de revelação durante a pandemia. As vendas de cannabis legal nos Estados Unidos ultrapassaram US$ 17,5 bilhões em 2020, um aumento de 46% em relação a 2019. Para muitos americanos, estocar maconha foi tão essencial quanto estocar papel higiênico. E o setor canábico encontrou uma maneira de abastecê-los com a erva.

Em Las Vegas, isso significou engajar-se com os moradores da região. Cinco dias após o governador Steve Sisolak declarar emergência pela primeira vez, a Iniciativa do Sistema de Saúde de Nevada de Resposta para Mitigação ao Risco de covid-19 anunciou que lojas de cannabis licenciadas e dispensários médicos podiam continuar abertos, mas incentivou entregas a domicílio e distanciamento social. MacLean se lembra das filas de carros de cinco quarteirões, com clientes à espera pelo drive-thru de maconha. Enquanto os negócios em Nevada sempre apostaram nos dólares do turismo, os cerca de 2 milhões de habitantes da região metropolitana de Las Vegas subitamente representaram uma forte base para a substituição da clientela.

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“Os moradores são muito exigentes – querem algo que não encontram no mercado clandestino”, afirmou ele. “Quando você está preso em casa, presta mais atenção em coisas como terpenos e perfis de canabinoides, em níveis máximos de THC, nas estruturas dos florescimentos e no aroma, que são dados informados nos produtos que você compra no mercado legalizado. E no ano passado, isso nos beneficiou, porque cultivamos flores de alta qualidade.”

Para atender à crescente demanda, a Aether Gardens construiu uma nova estufa com equipamentos de última geração, que vai entregar sua primeira safra este mês. Os turistas (e suas discretas canetas vaporizadoras) estão voltando, mas MacLean acha que a demanda local por flores de primeira qualidade continuará como está.

“Se você não quer ter de superar obstáculos que voam para cima de você tempo todo, como num videogame, essa indústria não é a sua”, afirmou Meg Sanders, diretora executiva da Canna Provisions, empresa com base em Massachusetts. Em março de 2020, os obstáculos eram velozes e furiosos. Apesar de o uso recreativo da erva ser legalizado por lá, Massachusetts é o único Estado que faz distinção entre revendedores de cannabis medicinal e de maconha para uso adulto, o que significou que dispensários como o Canna Provisions receberam uma ordem para fechar em até 48 horas.

“Ver lojas de bebidas consideradas essenciais, mas não as lojas de cannabis para uso adulto – especialmente quando a legislação aprovada em Massachusetts pretendia regular a cannabis da mesma maneira que o álcool – foi uma surpresa infeliz”, afirmou Meg.

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Após pagar seus empregados duas semanas adicionais e aceitar o fato de que os negócios canábicos não eram qualificáveis para os empréstimos do Programa de Proteção Salarial, ela analisou atentamente seu modelo de negócio e começou a esboçar a maneira de seguir adiante.

“Percebemos imediatamente que nosso modo de interagir com os clientes teria de mudar”, afirmou Meg, descrevendo o foco do dispensário da Canna Provisions, em Lee, Massachusetts, como um serviço personalizado e educativo. Localizada no coração do Condado de Berkshire, frequentado anualmente por cerca de 3 milhões de turistas, que vão curtir a natureza, esquiar e fazer piqueniques, “nossa loja faz parte dessa experiência”, afirmou ela.

Em contraste aos tradicionais dispensários com balcões de vidro, a Canna Provisions fez sucesso organizando grupos de compras guiados e interativos.

“A média de idade dos nossos clientes é 50 anos ou mais”, afirmou Meg. “Eles têm dúvidas, querem aprender, não querem sentir pressa porque tem uma fila se formando atrás deles.”

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Antes da pandemia, a Canna Provisions tinha capacidade de atender até oito grupos guiados ao mesmo tempo, educando os clientes a respeito de tópicos canábicos, brownies de maconha e baseados pré-enrolados. Durante a pandemia, porém, aquela atmosfera de ensino canábico desapareceu.

“Imagine essa transação entre duas pessoas, em um estacionamento, usando máscaras, a dois metros de distância. Não seria a mesma coisa”, afirmou Meg.

A Canna Provisions enfrentou um outro desafio quando finalmente reabriu, para vendas limitadas, em sistema drive-thru, depois de dois meses fechada.

“Quase não há internet no nosso condado, então tínhamos de ajudar as pessoas sem acesso nem habilidade suficiente com computadores a fazer encomendas online”, afirmou Meg.

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Diante dessa realidade, ela transferiu as operações da empresa para encomendas por telefone, com intenção de preservar o toque humano e educacional com o qual os clientes tinham se acostumado.

Quando clientes ligam para a Canna Provisions, a primeira voz que escutam é de um competente mestre canabista – às vezes a própria Meg – que os orienta durante a compra. Desde a sugestão de cepas – como a Stardawg (Corey Cuts) Smash Hits, cultivada na região, uma variedade de efeito relaxante e inspirador, com “uma tendência à filosofia”, como define o site da empresa – até o processamento do pedido, cada guia telefônico dedica aos clientes o mesmo tipo de atenção que eles teriam na loja física.

“E está funcionando”, afirmou Meg. “Na nossa loja em Lee, encomendas pelo telefone têm representado quase 100% dos nossos negócios. Compramos mais aparelhos fixos e contratamos mais gente para atender aos telefonemas, e nosso lucro está aumentando.”

Quando as restrições ao funcionamento do comércio em razão da covid-19 foram aliviadas, no último verão, a Canna Provisions inaugurou sua segunda loja, num edifício de tijolos de 150 anos que abrigava uma fábrica de papel, em Holyoke, Massachusetts. No imóvel de 370 metros quadrados, Meg e sua equipe conseguem novamente oferecer o atendimento guiado aos clientes. Ela contou que os turistas canábicos exploram o lugar e reagem a objetos e desenhos curiosos: antigos selos de borracha, placas de metal recuperadas e a imagem de um T. rex fumando um baseado.

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“Nos organizamos para virar um destino procurado”, afirmou ela. “E acertamos em cheio.”

Tradução de Augusto Calil

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